Hoje, só esporadicamente ouvimos dizer vamos à ribeira ou foi para a ribeira; passamos por ali e nem viva-alma, o que acontece em muitos outros locais de terras que foram cultivadas, até ao último palmo de terra, debulhando mesmo os barrocos, para receberem a semente que os camponeses “samarras” haviam de deitar à terra, muitas vezes cientes que pouco mais colheriam do que a semente lançada, animava-os a hipótese de colher a palha para os animais seus aliados no amanho das terras e no levar e trazer os produtos e alfaias necessárias. Esta dupla, agricultor e animais, foi substituído pelo trator, pelos poucos que ainda teimam em se manter na agricultura. Hoje, estes locais até se tornaram medrosos, pois os horizontes largos que se tinham e a presença de conterrâneos por todo o lado no cultivo das mesmas, estão abafados e medrosos, com os poucos metros de enxergamento, que as arvores e mato não permitem e o não conforto que se sentia, pela companhia próxima dos conterrâneos o que hoje não acontece. Esta ponte, sobre a Ribeira de Massueime que nasce junto da estação do caminho de ferro da Guarda e depois de atravessar 5 concelhos, desagua no Rio Côa, sendo o seu maior afluente, faz a ligação entre dois concelhos e estabelece os seus limites; o de Pinhel a oeste e o de Trancoso a este; mas, as propriedades dos dois leitos, pertencem a gente “Samarra”.

A cerca de 2 kms da aldeia, temos aqui, a entrada para a ponte e a foto da ponte do lado a montante, demonstra o abandono a que estas terras do interior centro e norte do país foram deixadas pelos sucessivos governos, por não criarem condições de sobrevivência, para que as suas gentes se pudessem sustentar e manter e logo que terminou a exploração mineira emigraram.

Aqui, árvores, silvas e mato em terreno fértil, ocultam parte dos 4 olhais de blocos graníticos e quebra águas, que suportam o tabuleiro da ponte há cerca de 400 anos. Esta ponte que terá sido de madeira, na Idade Média, quando os romanos a utilizaram ao percorrerem a estrada militar romana, que ligava Almeida a Lamego e que atravessava a Ermida, agora Santuário da Senhora das Fontes, pois estas obras, naquelas ” eras”, eram iniciadas em madeira e mais tarde reconvertidas em pedra, tal como aconteceu com grandes obras e só para referirmos uma; nomeadamente a fortaleza do Kremlin de Moscovo, paredes meias com o rio Mockba, “Moscovo”, que em 1359 substituiu o muro de madeira pela atual estrutura de pedra que circunda e protege a Fortaleza, pois kremlin significa fortaleza. A estrutura desta ponte foi arrematada no ano de 1625, por 4.500 cruzados, pelo Mestre de pontes David Álvares de Trancoso e o empreiteiro foi Manuel Ferreira, e os estudiosos sugerem que eram de origem judaica e pertencentes à “comunidade dos Marranos de Trancoso”. O seu leito em corrente normal, acontece sob os dois olhais do lado direito, mas recordo o seu tabuleiro submerso pelas águas da Massueime em tempos de grandes enxurradas e aluviões. A Ribeira de Massueime nasce junto da estação dos caminhos de ferro da Guarda e desagua no Rio Côa após galgar cinco concelhos, sendo o afluente mais longo do Côa e tal como este corre de sul para norte, até cair nos braços do Rio Douro, agora mais caudaloso. Era durante estas enchentes que os peixes, aproveitando estas verdadeiras auto- estradas líquidas, faziam o transfere do Douro para o Côa e seus afluentes, vindo a qui a desovar e criarem os seus filhotes que haviam de ajudar a alimentar estas gentes onde o peixe não chegava e a carne era a dos animais e aves criadas em casa. As espécies mais comuns eram: bordalo, barbo e por vezes umas trutas, o modo de captura por galrito ou mesmo com umas bombitas dos foguetes, era ilegal, mas era a maneira de os capturar e um dia, com estas bombitas o Ti Xico Moleiro ficou sem as mãos, corriam os anos da década de 50 do século passado. Dado os terrenos férteis das suas margens, que as enxurradas ajudam a manter e a abundância de água, havia sempre gente a cuidar da sua parcela de terreno. Nas décadas de 1970/80, as suas olgas foram reconvertidas em pomares de macieiras, como aliás todas as boas terras que tivessem água, no termo da aldeia e duraram enquanto as deliciosas maças tiveram mercado, enquanto as auto - estradas europeias, não se puderam ligar às nossas e enquanto os pomares do Oeste não apareceram, mas quando estas vertentes se tornaram realidade, as Cooperativas das deliciosas, sumarentas e consistentes maçãs do Distrito da Guarda foram à falência e os pequenos produtores não sabendo como escoar o produto, foram desistindo da sua produção, não porque o produto tivesse perdido qualidade, mas por se encontrarem longe dos centros de venda e consumo. Os primeiros supermercados ou casas especializadas na venda de fruta diziam-me, no fim da década de 70, que não podiam competir com quem vendia o produto do Oeste e acrescentavam, que era como que; competir com quem vendia frango de aviário e eles frango do campo ao mesmo preço e assim desistiram de ir buscar este produto a 6ookm de distância, quando tinham as do Oeste a cerca de 100km, bem como as de importação a preços mais competitivos, embora a qualidade fosse inferior, pois ainda hoje, basta que o reclame anuncie: fruta da Guarda ou Beira Alta para que o produto escoe rapidamente. Algumas destas olgas, que ladeavam as duas margens da Ribeira com os seus pomares, hoje retalhadas por via de partilha entre herdeiros, foram convertidas em vinhas e olivais, mas a sua maioria estão de relva e abandonadas, porque os idosos já não as podiam cultivar e os herdeiros migraram; Apenas restam algumas vinhas, agora replantadas e olivais que alguns “samarras” ainda teimam em cultivar, mas quando estes, que já são poucos, não as puderem trabalhar, tudo ficará ao abandono, onde nem a caça se manterá pois não terá o que comer.

À saída da ponte e derivando para a esquerda, temos este caminho agrícola de terra batida que dava para pomares e vinhas, bem como para o areal que um pouco mais à frente, encontrávamos junto à boca, da mina do rio, assim chamada e onde a água nunca faltava e se não dava para nadar, dava para se banhar e estender uma toalha e apanhar sol longe de olhares mirones.

Esta menina, hoje é psicóloga clinica, tem duas crianças um com a idade que ela tinha aqui, no caminho de terra batida, junto do entroncamento no caminho da foto anterior, com o pomar que ali existia ao seu lado e feliz com uma maçã nas mãos. Foi sensivelmente no mesmo local, que a minha memória visual me recorda um grupo de jovens (3/4) e pergunto para a minha irmã; mana quem são aqueles jovens? São estudantes que vêm para aqui e devem ir para junto da mina do rio tomar banho! Estamos nos anos 1990. É curioso que uma destas jovens estudantes de medicina, (TCM), que vinha passar férias a Pinhel com colegas é hoje Diretora de um Hospital e minha médica de gastro, médica de 7 estrelas e muito considerada entre os seus pares. Como o mundo é pequeno!!!.. Quando em 2014 me disse, no fim de um exame, eu conheço a sua terra e eu incrédulo disse que não era possível, talvez outra Santa Eufémia, mas desarmou-me quando disse que também conhecia o Sorval. A exploração do complexo mineiro que aqui existiu durante cerca de 4 décadas, a que se chamou de “Minas de Massueime” teve inicio em 1921 com a exploração da mina do Cabeço da Ponte, a uma centena de metros desta ponte e a montante na margem direita, a que se seguiram várias outras explorações em larva subterrânea, em mina ou filões, na margem esquerda e também deram apoio a outras minas exploradas no termo de Santa Eufêmia, nomeadamente: Lomba, Ferradosa, Cascalheiras e outras, pois aqui é que se situavam as galgas, que esmagavam as pedras com minério, a lavaria, para apurar o minério, serviços de apoio, capatazes e posto da GNR que controlava a exploração, para que o minério não fosse vendido a contrabandistas que o pagavam a melhor preço. À entrada da ponte, o “Fraldinhas” que teve uma taberna na aldeia, deslocou-a para ali, para servir os mineiros e terminada a exploração mineira, fechou a barraca e emigrou para o Brasil. Dia 22.12.2020 ao entrar na aldeia, por umas horas, vejo uma nonagenária a espreitar o sol e perguntei-lhe: como está Sra. Amélia! Ah, não o estou a conhecer! Disse-lhe a quem pertencia e ficou muito contente de me ver tal como eu. Esta Senhora foi uma das raparigas à data, como muitas outras mulheres, que carregou à cabeça sacos de entulho, que enchiam nas entulheiras das minas e num dos braços levava a bacia também com entulho e no outro a cesta de verga com o filho recém-nascido e desciam até à ribeira para lavarem o entulho e procurarem no fundo da bacia umas gramas de minério e disse-me em tempos; que, embora o terreno desta mina fosse de seu pai, entraram no terreno, desventraram-no, sem qualquer compensação e o capataz até trabalho lhe negou na mina. A Sra. Amélia Rodrigues, uma testemunha destas realidades, deixou-nos no dia 06/01/2021, que descanse em paz. O encarregado das minas como todos recordam era o Ti Francisco Manuel de Carvalho (Xico Carvalho). Sra. Dra. (TCM), se e quando passar por ali, junto do cruzamento onde se encontra a menina, existe agora uma vinha moderna, com alguns hectares que se estende até ao alto da pequena encosta, se as uvas estiverem maduras, Vossemecê, colha ali um cabaz delas, que eu depois entendo-me com o dono, meu familiar, para o que já tem autorização prévia. Srs. Presidentes das Câmaras de PINHEL - TRANCOSO, comecem a preparar a placa com dupla face, para colocarem ao meio da Ponte da Massueime, para lembrarem os 400 anos desta, a quem ali passa e os prestimosos serviços que tem prestado às gentes desta região e não só e sobretudo, não deixem que o mato e silvas se infiltrem na sua estrutura e lhe causem danos irreparáveis. 


Janeiro 2021 (No Blog - 81), 

Apaulos


14 comments Blogger 14 Facebook

  1. Excelente relato António.Passei por lá em Novembro e realmente seu estado é péssimo .Se as autoridades não tomarem medidas breves, aquilo vai ruir !Pena ver o património deteriorando ...

    ResponderEliminar
  2. Aguardemos que este alerta do Apaulos, os leve a que cuidem do património, de 400 anos, que nos deixaram. Bem-haja a este "Samarra" sempre atento às coisas do nosso chão.

    ResponderEliminar
  3. Excelente trabalho, António Paulos.
    Obrigado por o teres partilhado connosco, eu que tantas vezes a atravessei atrás das ovelhas e bem no centro do tabuleiro, com receio de cair lá para baixo.
    Tive oportunidade de ver uma das cheias do leito da ribeira, com a água a cobrir grande parte do mesmo, pois a afluência, como bem referes, concentra-se mais junto da margem direita.

    Para se evocarem dignamente os seus 400 anos, poderiam as 2 autarquias, porque de estradas municipais se trata, providenciar a instalação duma guarda ou protecção segura de ambos lados, com material algo semelhante ao que se encontra em obras de arte hodiernas.
    Não sei se tem, mas se não tiver, seria igualmente de sinalizar convenientemente quem tem prioridade ao apresentar-se à entrado do tabuleiro de via única.
    Para além de a livrarem das silvas e mato que a atormentam e do lado de Pinhel quase a ocultam dos automobilistas, poderiam mandar limpar (esgalhar, como se diz localmente) as árvores mais próximas ou cortar mesmo algumas delas.

    ResponderEliminar
    Respostas

    1. Olá António,

      Com o teu saber, paciência e jeito para estas coisas consegues, de vez em quando, surpreender-nos com imagens que nos levam de regresso a locais e situações frequentes da nossa juventude, neste caso de um local por mim bastante frequentado durante um período assaz longo, quer em idas a um terreno que cultivávamos junto à ribeira quer a pastorear as vacas, nos fins de semana de Verão, pois era um dos locais que ainda mantinha alguma humidade e alguma erva, que já era pouca ou nenhuma mesmo nos lameiros que, depois de cortado o feno, ficavam rapidamente rapados pelos animais.
      Gostei de saber que a ponte faz 400 anos. Lamento todavia o abandono às silvas e outras plantas invasoras que parece verificar-se e que podem “minar” e por em perigo a sua própria solidez, pois, o que o homem constrói e desleixa, a natureza e o tempo se encarregam de destruir.
      Oxalá, por isso, que o teu apelo aos que mandam por aquelas bandas, não caia em saco roto.
      Obrigado e um abraço.

      Eliminar
  4. Os Comentários (3/4) são as transcrições, feitas por mim, de dois ilustres advogados "Samarras"na praça de Lisboa e também são um exemplo, do que faziam e agora fazem, para os mais novos. Eles fazem parte da geração dos jovens Samarras, descritos na crónica " OS POMARES SAMARRAS E OS JOVENS DOS ANOS 60/70. Um abraço para ambos. apaulos

    ResponderEliminar
  5. A estudante de medicina, à data, hoje ilustre Dra. TCM, em Fevereiro de 2020, foi, fomos, a Pinhel à Feira das Tradições e um dos objectivos era percorrer algumas das aldeias que calcorrearam antanho, mas as circunstâncias não o permitiram. Ora isto deixa adivinhar que tem boas recordações destes chões enquanto jovem estudante, mas ficaram-se pelo convívio com aqueles que em tempos foram jovens estudantes, hoje na casa dos cinquenta. Pode ser que um dia se proporcione. Hoje com o vírus da COVID19, não têm um minuto de descanso. Força Dra. TCM e um abraço pela sua abnegação e dedicação à causa que abraçou. apaulos.

    ResponderEliminar
  6. Este comentário chegou-me por outra via, pelo que é uma colagem.O seu autor é o "Samarra" - (P.I.F.). António, gostei do artigo, parabéns. Ma s estava à espera de mais história sobre ela. Também pensei que fosse mais antiga. Gostei do desafio que fizeste às Câmaras de Pinhel e de Trancoso e espero que a não deixem cair. Seria uma grande perda sobre vários pontos de vista. Um abraço. Bem-haja apaulos.

    ResponderEliminar
  7. Gostei de saber que 400 anos depois ainda dá confiança a quem a atravessa a ribeira, pelo seu tabuleiro, aquilo é que eram pedreiros conhecedores do ofício, hoje com ferro e cimento qualquer faz uma ponte. Bem-haja por partilhar os conhecimentos da sua investigação e assim quando a atravessamos temos mais respeito por ela e por quem a construiu. Saudações Samarras.

    ResponderEliminar
  8. Se esta "PONTE" falasse teria muitas estórias para contar; desde a aflição daquele que ao volante do carro se precipitou dela a baixo ficando em cima do amieiro e também desmascararia aqueles que, em dias de ribeira cheia, atiraram os burros velhos para as águas turbulentas e ainda os chicheiros, que em dias de inverno, vindos das feiras dos lados de Mogadouro, ali e na impunidade do lusco-fusco, lançavam para as suas águas os restos das aparas de carne, como se os tubarões estivessem à espera da ceia.

    ResponderEliminar
  9. Estes chicheiros eram de Pala, não eram? Foi o negócio da carne de porco que lhes deu força para plantarem as vinhas e serem, como dizem, a capital da vinha no concelho.

    ResponderEliminar
  10. O leito da Ribeira de Massueime está a ser limpo na sua nascente pela junta de Freguesia da Guarda, seria óptimo que os outros 4 concelhos por onde ela corre até ao CÔA tambémm procedessem à sua desobstrução, principalmente junto das suas obras de arte (pontes), logo que o tempo e as sua águas o permitam. Como de pequeno é que se capa o pepino, os Egitanienses já estão a fazer o seu trabalho junto da sua nascente.

    ResponderEliminar
  11. MATAR O BICHO-( Não tem muito a ver com a crónica, mas para que o conselho chega a mais "Samarras", aposta-se aqui).Todos conhecem a expressão "Matar o Bicho", e a sua origem remonta ao século XIV. Em 1329 morreu, em Paris, uma senhora. Fez-se a autópsia do cadaver e encontrou-se no coração um bichinho vivo que, ao perfurar aquele orgão, determinou a morte. Os médicos fizeram várias experiências com o verme, procurando averiguar qual o remédio eficaz em futuros casos semelhantes. Amudeceram-no com várias drogas, atacaram-no com venenos, mas nada, o bruto movia-se ; quer dizer: nada o matou. Por fim um dos médicos lembrou-se de dar ao bicho um bocadinho de pão embebido em vinho. O ANIMAL MORREU ACTO CONTINUO. Atendendo a isto achou-se que era conveniente tomar, de manhã, em jejum, um copinho de vinho, aguardente ou licor, para "MATAR O BICHO".

    ResponderEliminar
  12. 400 ANOS!!! Só a sua persistência de pesquisa e querer saber, que depois partilha, nos leva a que conheçamos coisas sobre as quais a nossa curiosidade nem era aguçada, por isso o meu bem-haja Sr. Apaulos.

    ResponderEliminar
  13. Ao reler esta crónica, pude recordar coisas da minha meninice e juventude que já estavam na gaveta dos esquecidos e fechada a sete chaves e agora, pude apreciar o trabalho ardo e de persistência de crer saber, do seu autor e de o partilhar com os seu conterrâneos, pelo que só lhe posso dizer à boa maneira Samarra,- bem-haja- SR. Apaulos.

    ResponderEliminar

 

O Samarra © 2008-2022. Todos os direitos reservados.
Top