Tentemos relembrar cerca de década e meia da nossa vida de samarras e demos a conhecer aos vindouros, quais foram as alavancas que nos proporcionaram, aos garotos que nós fomos nestas décadas 50/60, sair da aldeia após o exame da 4ª. classe; altura em que o ensino obrigatório não ia além desta e recordemos estes tempos difíceis, mas que foram os nossos e dos nossos pais visionários, os verdadeiros heróis do nosso sucesso: bem como aqueles que nos acolheram e nos ajudaram a darmos os primeiros passos para chegarmos onde chegámos.

Mas não ficaríamos bem connosco mesmo, se primeiro não referíssemos os samarras estudantes que nos antecederam e que embora tivessem sido Ilustres Samarras e que ainda conhecemos e uns já recordamos com saudade, embora à data, o seu exemplo não nos tenha servido de incentivo para os imitarmos; o que não significa que não olhássemos para eles com respeito e admiração, mas as possibilidades disso acontecer eram mais que uma miragem: pelo que os sonhos de estudantes, mesmo quando deitados e observando o firmamento e as estrelas pelos buracos das telhas, não ocupavam os nossos pensamentos.
Os nossos horizontes talvez ficassem por um ofício tirado ali perto; Pinhel, Trancoso ou Vila Franca, se houvesse um conhecimento junto de um mestre serralheiro, ou de mecânica ou ainda de carpinteiro, para onde se poderia ir como aprendiz e a trabalhar sem ganhar, até se ser um palmo de gente na arte e aí sim, começar a receber alguma compensação.
A emigração/imigração, na senda de outros samarras da década anterior, ou em alternativa a labuta na terra a atrás da rabiça do arado e com a enxada nas mãos em alternativa à caneta, era o destino mais provável e com sorte, durante algum tempo no urânio como pincho, onde se poderia encostar se tivesse 16 anos e um conhecimento junto dos capatazes. Só para as tarefas do campo não havia idade, nem muitos de nós sabemos quando começámos a trabalhar. Adiante, retomaremos ao nosso caminho de garotos estudantes dos anos 50/60; por agora, recordemos quem veio primeiro.

Começando pelas raparigas, lembramos as duas manas professoras, a D. Zulmira que nasceu em 1918 e a D. Alice (Alicinha) Celestino, nascida em 1920, “as filhas da Casa Grande”, seu pai António Celestino de quem já falámos noutras crónicas, a mãe que já não conheci, morreu afogada num dos poços do pomar, dizem que, quando estava a lavar roupa na sua beira. A D. Zulmira (RIP) que faleceu em 2012, casou na Souropires e quando se deslocava à aldeia, com o marido, conhecido pela alcunha de “o morte”, faziam-no numa potente moto que este tinha, o que era motivo de admiração e espanto para os garotos de antanho.
A D. Alicinha fixou residência na zona de Almada onde ainda reside. Tiveram pelo menos mais duas irmãs e dois irmãos que não estudaram, o outro irmão que estudou foi o Manuel (Manelzinho da Casa Grande), que dizia com um ar de mangão, segurando o cigarro nas falangetas dos dedos amarelados pelo mesmo:
Meu pai mandou-me a estudar 
Sete anos por lá andei, 
Tirei o curso de rambóia 
E em fadista me tornei.


Emigrou para África - Moçambique, onde não se terá cruzado com os diamantes, mas com algumas feras nos safaris que fazia, dado que era caçador profissional e voltou à terra onde veio a falecer.

Ir. Matilde Carapito, 2005.12.21, aos 80 anos.

A Irmã Matilde Carapito (RIP), a mais velha de oito irmãos, nasceu em 21.12.1925. Aos 18 anos, por indicação de seu pai Augusto Carapito, foi estudar para a Escola Regional das Religiosas Diocesanas Servas de Jesus, na Cerdeira do Côa. Em 1947 entra no Instituto Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) - Salesianas, no Monte da Caparica e mais tarde continua os seus estudos em Turim e veio a professar em 05.08.1950 em Casanova – Itália, vindo a fazer os votos perpétuos na Casa Provincial no Monte Estoril em 1956. Trabalhou em diversas casas da Ordem (FMA), nomeadamente na Costa da Caparica, Casa de Santa Clara - Lisboa, paredes meias com a Feira da Ladra, Monte Estoril, Aguda e Externato N.S. do Rosário em Cascais, onde o Senhor da Vida a chamou para junto de Si em 2012.10.08. Como boa filha samarra, quando os pais já idosos e doentes precisaram dos seus cuidados, de 1974/84 esteve exclausurada para lhe prestar assistência e após o seu falecimento voltou à comunidade da Casa Provincial. Da Irmã Matilde diz a sua Superiora: Era uma pessoa inteligente, perspicaz, temperamento forte e marcada pelo espírito de sacrifício, qual samarra e manifestou sempre grande sentido de pertença e responsabilidade. Eu acrescentaria, porque tive a felicidade de conviver alguns momentos com ela: e de trato fino, agradável e afável. Recordo-me de ela dizer, vale mais um santo triste do que um triste santo.
O Papa Francisco diz-nos: nunca sejais homens e mulheres tristes: um cristão não o pode ser jamais.

Uma outra samarra que está nesta ordem religiosa é a Irmã Benvinda A. Bernardino, que nasceu em 1933 e que no seu percurso de Missionária passou por Itália e alguns países de África. Ultimamente tem estado na casa da Ordem em Setúbal.
Duas outras estudantes samarras, mas mais recentes e professoras regentes, assim denominadas à data, foram a D. Maria Soledade Ramos (a Rosete) e D. Maria do Espírito S. Paula, ambas entre nós.

Quanto aos rapazes samarras que, por razões óbvias, nunca os recordaremos como garotos, recordamos com saudade, o Pe. Albano Gomes (RIP) que nasceu em 22.05.1918, começou por fazer os seus estudos no Seminário do Fundão e depois de ser ordenado sacerdote trabalhou em Benavente, Vila Viçosa e Borba. Muitos se devem recordar deste Ilustre Samarra que era bem quisto e respeitado, pois todos os anos vinha à sua aldeia passar uma parte das suas férias e “abrilhantar” o altar com a sua presença, na altura das festas e por vezes com as suas excelentes homilias. O Pe. Albano, aqui na foto, no exercício do seu múnus, deixou-nos em 17.03.1993.

Pe. Albano

Pe. António Aguiar, nasceu em 16.01.1931, estudou nos Seminários da diocese de Lisboa, estudos que foram custeados por um padrinho de nome Augusto, da Póvoa D’el Rei, mas residente em Lisboa. Foi ordenado sacerdote com 26 anos, em 15/08/1957 e trabalhou durante 50 anos, enquanto teve saúde, em várias paróquias da diocese de Lisboa. O seu último trabalho foi como capelão das Irmãzinhas dos Pobres em Campolide, onde havia celebrado a primeira missa. Actualmente está na casa de repouso; a Casa Sacerdotal de Lisboa, já em débil estado de saúde e faleceu em 8 de Março 2015 e as exéquias fúnebres foram presididas pelo Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, na Igreja de Barcarena - Oeiras, onde foi pároco durante vários anos e em cujo cemitério repousa. O Pe. A. Aguiar, só esporadicamente visitava a aldeia que o viu nascer.

Pe. António Aguiar (Dezembro 2006)

Não porque pertença, em termos etários, aos estudantes samarras que acabámos de descrever, dado que nasceu em 1941, mas porque também antecedeu a geração massiva dos que à frente descreveremos; ele sim terá tido sonhos realizáveis porque os podia ter, recordemos que os seus pais foram “os donos dos minérios”, para iniciar os estudos que o levaram onde se encontra e ser um dos samarras mais classificados de sempre em termos académicos. Referimo-nos ao Ilustre Samarra Prof. Engº. Delfim de Carvalho, que ocupou vários cargos de responsabilidade em instituições e empresas públicas, no ensino universitário e conferencista convidado em vários cidades do globo.


Maio 2013 (23)
Apaulos



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  1. lindo, simplesmente lindo.

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  2. quem são os rapazes que estão com o Pe. Albano?

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  3. tenho 15 anos e ainda não tenho maldade na cabeça. Gostava de saber se os padre daquela altura também eram pecadores como os de hoje?
    Thanks!

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  4. ainda me lembro daqueles azulejos azuis na nossa igreja. Ainda se mantêm? Já não entro lá há muito tempo. Converti-me ao Islamismo. Sorry!

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  5. Três modelos de vida, que orgulham a comunidade Samarra e se atentarmos ao seu tempo,ainda mais respeito nos merecem pelos seus percurssos de vida
    Não esquecendo os restantes samarras referidos na crónica, aguardo com expectativa a continnuação desta.
    Parabéns.

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  6. o pe Albano fez-me ver que fumar não era pecado, até aí pensava que os padres não fumavam, não diziam asneiras nem "comiam carne".
    Obrigado por isso e por todo o resto. Era um padre diferente daqueles que estavamos habituados.
    Pena que os novos padres de hoje não tenham tido professores como ele e insistam em pregar aquilo que eles não fazem.

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    Respostas
    1. Se viajarmos até ao século XV (para não ir mais além), vemos que a igreja católica é uma antro de podridão,sedenta de poder, corrompida e responsável por imensas mortes, guerras.
      Os padres, cardeais, bispos, o papa de então, eram uma seita do mais vil e diabólica que existe.

      Isto para falar do comentário anterior. Os padres actuais são uns santos comparados com os seus antecessores de tempos idos. Sim têm as suas fraquezas, mas são seres humanos acima de tudo.

      Parabéns pela crónica Apaulos.

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    2. Vejam a série televisia "The Borgias" e vão perceber do que falo.

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    3. eu conheci mesmo o Pe. Albano e fui o autor do comentário anterior e quiz com isto dizer que ele era um homem recto, sem qualquer complexo religioso/social e que eu muito respeitava. Tomaramos nós mais padres assim.
      Também gostei da crónica.

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  7. Sabe-nos bem termos conhecimento dos feitos destes Nossos Ancestrais colectivos.
    Obrigado

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  8. Tia Matilde Carapito e outros tantos samarras,que enfrentaram e venceram as adversidades externas.Gente de fibra ! Parabens a todos.

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  9. Que lindos trabalhos, este Samarra, nos tem aqui trazido, se não fosse ele e o Blog, todas estas narrativas de vidas Samarras estariam perdidas para sempre. Sr. Apaulos, não tenho o gosto de o conhecer embora saiba a quem pertence, por mim bem-haja por todo este legado que nos tem trazido.

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