De certo que muitos se têm interrogado sobre a origem do epíteto “Os Samarras”, que deram aos “Santaeufemenses”, os habitantes de Santa Eufêmia.
A Samarra era em tempos, uma peça de vestuário de agasalho, utilizada na nossa terra, dado que o frio que se fazia sentir, no período de invernos rigorosos, era muito superior ao que agora suportamos, pelo que, quem podia usava esta casaca para melhor se proteger do frio e era sobretudo usada aos domingos, ou quando se deslocavam para feiras e mercados e mesmo a aldeias vizinhas, pois além de ser uma peça cara, também compunha o visual de quem a vestia, pelo que usava-se em dias de ocasião.
Samarras e capotes quem é o avô de quem?
A samarra ou o capote?
Os capotes devem ser os herdeiros das tradicionais samarras!... Aqueles tinham uma abertura atrás e nos nossos dias, anos 40/60, dada a abertura atrás, também os utilizavam para, quando montados nos seus machos e éguas, um meio de deslocação de uns com algumas posses, serviam para os Samarras taparem os pequenos mas pesados sacos de minério schelite, estanho ou volfrâmio, com cerca de 50kg, que carregavam no lombo destas montadas, escondendo-os, à primeira vista, do olhar de estranhos até chegarem ao comprador contrabandista; logo, nestas circunstâncias, tinham uma dupla função, esconder os sacos e resguardar do frio as pernas do cavaleiro.
A samarra era uma casaca mais curta que o capote, mas mais comprida que o casaco, era feita de tecido de cerrubeque ou fazenda de lã de cor acastanhada e pele de raposa na gola larga, ou mesmo de borrego ou ovelha, versão mais em conta, quanto ao seu custo.
Umas e outros protegiam do frio os aldeões desde os primórdios deste chão. Já os pastores, quando em dias de frio de cortar o ar, guardavam e orientavam os rebanhos, embrulhados em cobertores de lã coloridos, que além de os protegerem do frio, também os protegiam das bátegas de água que escorria por eles abaixo e não entrava com facilidade para dentro, mantendo-os mais ou menos quentes e secos.
Como já foi referido noutras crónicas, ao “Morgadio de Santa Eufêmia”, também pertenciam várias propriedades, localizadas em aldeias vizinhas, nomeadamente grande parte do “Vieiro” que fora pertença de D. Áldara de Pinhel, que as doou ao Mosteiro de Salzedas em 1293, recebendo apenas, em vida, um herdamento.
Estas paróquias, Ervedosa e Vieiro, durante muitos anos, talvez séculos e até cerca do fim do século XX, foram administradas pelo pároco residente de Santa Eufêmia, que ali se deslocava para as actividades religiosas, fazendo o caminho a pé, de cavalo, de bicicleta e só bem mais tarde de automóvel.
Está comprovado, ao longo da história, que a tradição vale muito e aqui a tradição diz que; quando o Samarra se deslocava a terras do “Vieiro” e “Ervedosa”, para receber rendas ou pagar terras que os Abades ali compravam, ele guardava o dinheiro na Samarra, de certo que em bolsos camuflados, naquela complexa peça de vestuário e quando os do “Vieiro” e “Ervedosa” o avistavam diziam: lá vem “o Samarra” e daí a alcunha ter pegado e assim os “Santaeufemenses” foram batizados de “Samarras” e os padrinhos foram “os carapuças”, alcunha que lhes advém de esconderem, há época, os documentos/valores “na carapuça”.
Esta narração foi-nos transmitida pelo nosso “poeta - José A.Carapito”, já com os seus 85 anos e que, há cerca de 30 anos, a ouviu a um habitante de Ervedosa de seu nome “Diamantino Raposo” para quem trabalhou com a sua máquina retroescavadora, já depois de ter passado por Moçambique - África e França com emigrante. Por nos parecer fazer sentido, aqui fica esta versão “tradistica”, sobre a qual temos tentado várias pistas, mas nenhuma nos pareceu tão verosímil quanto esta.
Estávamos a concluir esta crónica, 2016.11.03, quando recebemos a triste notícia de que o nosso “poeta espontâneo” tinha falecido.
Foi no livro “Valores e Relíquias” publicado em 1998, de que foi autor e editor, José A. Carapito, depósito legal: Nº.124873/98, que publicou alguns dos seus poemas, em 95 páginas e 44 títulos, dando especial relevo; à Mãe terrena, à Virgem Mãe e aos valores da Pátria e da sua Terra.
Nesta colectânea de versos, trata diversos assuntos, onde recorda ”os valores morais da sua formação; a família; a mãe; a religião, a natureza, com quem convive e vive” (Maia Caetano) no prefácio.
No dia do seu funeral 2016.11.04, no fim da missa de corpo presente o seu sobrinho, Paulo Carapito, leu do seu livro “Valores e Relíquias” o poema “DESPEDIDA À VIRGEM”, de que transcrevemos a primeira de nove quadras.
Mãe! Nesta hora do adeus
Aqui estão os servos teus
Com amor e humildade
Pedindo-te piedade.
Esta pequena homenagem, da minha parte, é lhe devida, pois sempre foi um Samarra interessado e preocupado pelos valores da sua terra e no que me diz respeito, quando o solicitava para me falar de certos assuntos para algumas das minhas crónicas, fê-lo sempre com alegria e com o sentido de ajuda e de responsabilidade, dizendo que, se deveria honra e proteger a riqueza do nosso património e fazer a sua divulgação. Esta crónica é o reflexo do que acabo de dizer e foi só dois meses antes de adoecer gravemente, que me revelou a origem da alcunha “Os Samarras”, embora já tivesse-mos conversado sobre o assunto vezes sem conta, mas nunca lhe tinha ocorrido desvendar-me o segredo, mas quis o seu sentido de colaboração e de interesse por este chão, que ainda o tivesse feito a tempo de aqui o registarmos.
As duas quadras, de sua autoria, gravadas em pedra que aparecem numa das crónicas, “Santa Eufêmia, suas Ermidas, Cruzeiros e Cruzes, a nº. dois” e que aqui duplicamos, encontra-se junto do chafariz da Ermida, quase coberta pelo capim, deveria ser encastrada no muro junto desta fonte, pois a estas águas elas se reportam, antes que alguém a faça desaparecer;
Vem beber água pura
Na Senhora das Fontes
Santa e milagrosa
Vinda dos Montes
Nunca passes sem rezar
À Senhora das Fontes
Divulga o seu nome
Em todos os horizontes.
E porque era um apaixonado pela Ermida da SENHORA DAS FONTES, como muitos dos Samarras, aqui fica o poema que ele dedicou à ERMIDA:
Se fores à Ermida
Eu também lá vou
Buscar uma rosa
Que me lá ficou
Essa rosa que eu amo
A rosa encantada
Essa rosa tão bonita
Que é Nossa Senhora
Ó minha Senhora
Eu hei-de te amar
Tu és a Rainha
Aí no altar
Nós vimos Te venerar
Santa e nobre Senhora
Aqui vimos Te aclamar
Sê a nossa protectora.
Zé! Que a Senhora das Fontes que veneraste e honraste em vida e em cujo recinto colaboraste na arborização do mesmo em 1965, quando fizeste parte da Comissão Fabriqueira da Igreja, procurando repor, em parte, o que o ciclone de Fevereiro de 1941 derrubou, te tenha encaminhado até ao PAI e descansa na paz do Senhor. .
Saudações Samarras.
Novembro 2016 (59)
Apaulos
Finalmente.Por aquilo que aqui nos deixa e dada a credibilidade do autor destas prosas, parece não restarem dúvidas que os Carapuças são os nossos padrinhos.Sentidas condolências aos familiares de quem revelou o segredo. O porquê dos Samarras. obrigada Apaulos.
ResponderEliminarTambém acho que é uma homenagem merecida.
ResponderEliminarNa foto o Samarra, Vitor Rodrigues com foto de Rafael Rodrigues e a relíquia com mais de 60 anos de João Mendo, obrigado a todos. Apaulos.
ResponderEliminarAdoro vir aqui a este espaco, faz parte de mim é dá um alento enorme para quem está longe. Obrigado pela partilha.
ResponderEliminarBela homenagem ao Senhor José Carapito e elucidação de "Samarra". Confirma-se que os "outros" são os capuças. Obrigado António.
ResponderEliminarSugestão; uma vez que que se desconhece, quem foi a figura, que ocupou o nicho que esta sobre o chafariz e não há hípotese de se voltar ali a colocar; se ali couber o marco com as duas quadras, poderia ser ali colocada e se não couber, deveriam-na encrostar na parede ao lado, preservando assim o património que nos foi deixado e relembrando, quem se interessou pela Ermida de uma maneira singela mas dedicada.
ResponderEliminarha coisas tão simples que poderiam melhorar a imagem da Ermida, este é só um exemplo mas parece-me que não há vontade e muita maldade o que é uma pena
EliminarObrigado António,pela crónica citando o saudoso tio José Augusto Carapito.Em Maio estivemos ai e tivemos a oportunidade de gravar uma de suas poesias ,sobre a migração das andorinhas( está nos comentários do facebook,de seu filho Messias).Muitas histórias e fatos se perderam com sua ida,mas esta parece bem verossímil.Dar parabéns parece redundância,mas sem ser prolixo...Parabens.
ResponderEliminarAOS SAMARRAS que são autoridade, por via do voto ou da nomeação, permito-me sugerir que: aproveitem as sugestões que aqui ou noutros locais vos deixam os Samarras, "com outra visão das coisa, talvez, porque estão longe"; as analisem e as concretizem, se viáveis e para isso muitas vezes, há apenas que reunir as vontades, para que os vindouros se apercebam que, a cada tempo, sempre se foi fazendo algo para proteger e aumentar o nosso património, ainda que, se assim o quiserem de uma maneira singela. Não fazer nada é deixar morrer o que os Nossos Maiores nos deixaram. Este desabafo/reparo espero que não caia em saco roto, pois, modéstia à parte, julgo ter algum crédito para aqui o deixar.
ResponderEliminarSaudações Samarras.
Subscrevo, António Paulos.
EliminarPossivelmente, mais ninguém saberia deste segredo, só o empenho e a luta por prosseguir o que procurava, os levou a um e a outro a este resultado. Uma crónica simples, muito importante para o nosso conhecimento colectivo, pelo que obrigado a ambos, a uma que "RIP" e ao outro continue Sr A.Paulos a descobrir e a partilhar o nosso património, que "os Samarras", mesmo silenciosos e anónimos agradecem.
ResponderEliminarCrónica simples mas elucidatriva para aqueles que se preocupavam de onde, raio, vinha este nome Bem-hajam
ResponderEliminarSe não fossem estes dois "Samarras", jamais saberíamos de onde vem este epíteto, a um (RIP) e ao outro que nos continue a dar a conhecer o que, de certo com esforço, vai desenterrando. A ambos o nosso Bem-hajam.
ResponderEliminarDe quando em vez, venho espreitar estas crónicas que outros Samarras, chamam para o escaparate e fico deliciado; pois aprendo sempre algo, mesmo que seja só para para recordar. Nesta o autor revela-nos fatos que se perderiam para sempre e como é seu timbre, aproveita para homenagear um Samarra que gostou deste chão e que contribuiu para ajudar a preservar o seu património. Bem-hajam.
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