Crónica escrita a partir do poema "Máquina do Mundo", de António Gedeão (in Máquina de Fogo, 1961), e elaborada para o Exploratório Infante D. Henrique, Centro de Ciência Viva de Coimbra, no âmbito da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a decorrer entre 22 e 28 de Novembro de 2010.

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Que intervalo de tempo e de espaço, de matéria e de energia, é esse Universo em que a nossa vida pontua? Em que singularidade se originou? Quando é que foi t = 0? Há cerca de 13,7 mil milhões de anos, quando todo o Universo, conhecido e desconhecido, estava reunido num único ponto infinitesimamente compacto, imensurável, adimensional!?

Foi Georges Lemaître, padre e cientista, o primeiro a propor, em 1927, um início assim para o Universo. Sem dimensões de tempo nem de espaço, uma singularidade. Chamou-lhe a “hipótese do átomo primevo” e baseava-se em assumpções decorrentes da teoria da relatividade geral de Einstein. Anos mais tarde, em 1949, Fred Hoyle haveria de baptizar, ainda que pelo ridículo, esse momento com a designação de “Big Bang”.

O modelo do “Big Bangnão descreve a singularidade, mas sim o que aconteceu imediatamente a seguir a ela e que acabou por nos dar origem. Segundo a teoria mais corrente do “Big Bange a teoria da inflação, a partir da singularidade, esse nada absoluto grávido de tudo, o universo expandiu-se, súbita e incontrolavelmente e, em cerca de 0,
0000000000000000000000000000001 segundo, emergiram as forças da gravidade, do electromagnetismo, as forças nucleares fortes e fracas.

Sob acção destas forças, uma revoada de partículas elementares, fotões, electrões, protões, neutrões, resultantes de outras fundamentais como os quarks, polvilharam o nada em todas as direcções, num número de partículas de cada tipo na ordem de 1 seguido de 89 zeros!

Em 1929, Edwin Hubble observou que a distância aparente de galáxias distantes era tanto maior quanto maior fosse o desvio para o vermelho dos seus espectros luminosos observáveis. E, espantosamente, verificou que quanto mais distantes se encontravam maior era a velocidade a que se afastavam da nossa posição aparente.

Constatamos que as galáxias mais longínquas se afastam umas das outras a velocidades tanto maiores quanto mais longe estiverem de nós. Afastam-se de quê? Da singularidade inicial. Vão para onde? Para o nada infinito no tempo, finito num intervalo de espaço em expansão!

Até onde podemos ver, e ver permite-nos calcular distâncias no espaço e no tempo, através dos actuais radiotelescópios, a fronteira do Universo visível encontra-se algures a 145 biliões de triliões de quilómetros (14 000 milhões de anos-luz) de distância aparente!

Universo visível? …O espanto esmaga-nos com o peso do Universo que não é visível, “preenchido” por matéria dita negra e que corresponde a 85% de toda a matéria do Universo. Viajamos num mar de escuridão que não emite radiação electromagnética! E por isso esse oceano cósmico é indetectável pelos nossos olhos, adaptados que estão a sentir uma pequena fresta, um intervalo suficiente do espectro da luz solar.

E que vazio? Incomensurável! Num átomo de hidrogénio, o combustível das estrelas e o elemento mais abundante do Universo, 99,9999% é vazio! O seu núcleo, constituído por um único protão, ocupa apenas 0,00001% do volume de todo o átomo. O resto é nada e uma certa probabilidade de encontramos um electrão, num determinado estado quântico.

E é pelo balanço delicado entre repulsão e atracção electrostática entre nuvens electrónicas e núcleos atómicos, “coreografias” magnéticas e tudo o mais que se expressa nos princípios colombianos, quânticos e de exclusão, que as indiscerníveis partículas fundamentais dos átomos interagem, dando-nos esta sensação de matéria, quando apertamos as mãos.

E, paradoxalmente, é esse intervalo cheio de vazio que permite interacções entre átomos diferentes, gerando compostos que arquitectam a vida tal qual a conhecemos.

Somos então um intervalo vazio semeado de partículas e energia, cerzidos no tear sempre crescente de tempo e de espaço.

E, neste intervalo assim crescente, somos o resultado de uma singularidade de gente.

António Piedade

5% é tudo!


uma história gráfica do Universo

a minha crónica semanal no jornal i



Se qualquer descoberta em astronomia tivesse de ser comunicada de uma maneira comercial e completamente elucidativa, teria de ter sempre um asterisco remetendo para as letras miudinhas e esquecidas do final do anúncio.

E que diria a nota?

"Todo este conhecimento é baseado em 5% do Universo que conhecemos; os outros 95% ainda são uma enorme incógnita!". Anote: todos os reinos das galáxias, estrelas, planetas, cometas, montanhas e oceanos, plantas, animais, humanos constituem apenas 5% do Universo. Os restantes 95% distribuem-se por algo a que os cosmólogos chamam energia negra (72%) e matéria negra (23%), duas entidades que são a dor de cabeça necessária para a actual compreensão do Cosmos.

A pergunta é inevitável: mas então se não conhecemos 95% do Universo como é que conseguimos construir grandes modelos, teorias, ideias sobre o Cosmos?

Porque podemos construí-los mesmo sem saber o que são. Se teimarmos em abrir uma porta mas se a mesma resiste, então desconfiamos que algo está a impedir o movimento. Podemos não saber o que é, mas algo é! E o mais chato no caso destas "negras" do Cosmos é que são cientificamente pouco sociais; a matéria negra tem massa mas não interage com nada e ninguém; se não existisse não perceberíamos porque e como evoluem os corpos celestes.

A energia negra esconde-se no próprio espaço em si e sem ela a expansão do Universo torna-se confusa. O meu amigo está confuso? Os cosmólogos também... ainda!

Universo Observável

A propósito do texto do Miguel Gonçalves e dos meus textos recentemente aqui e aqui colocados a propósito do Universo observável e existência de energia e matéria negra em quantidades quase totalitárias, ocorreu-me uma história que a seguir conto, numa adaptação minha. Aliás, quando me interrogo sobre o "universo", como objecto de estudo e de observação através do método científico, esse exemplo surge imediata e recorrentemente.

“Numa noite escura que nem breu, um sujeito percorre uma rua. Aproxima-se de uma zona iluminada pelo único candeeiro público que conhece. Verifica que há um outro sujeito à procura de algo na zona iluminada e pergunta-lhe:

- Desculpe, anda à procura de alguma coisa?

- Sim, da chave de minha casa? – Responde atarefado o segundo sujeito.

- Tem a certeza de que foi aqui que a perdeu? – Retorque o primeiro.

- Não, mas esta é a única zona iluminada onde a posso procurar.”

Esta breve e anedótica história é uma boa caricatura do trabalho científico: mesmo que teoricamente seja provável que a "chave" esteja logo ali ao lado da zona iluminada, só quando tivermos tecnologia que nos permita estender a procura nesse lado é que poderemos efectuar observações.

As luas de Júpiter já orbitavam este planeta no tempo de Ptolomeu, mas foi preciso observar através da luneta de Galileu para as encontrar.

A energia e matéria negra são pressentidas para explicar o nosso actual modelo do Universo, mas precisamos da tecnologia dos aceleradores de partículas para as podermos encontrar e caracterizar.

Por outro lado, é espantosa a capacidade preditiva dos modelos científicos que "guiam" os desenvolvimentos tecnológicos à procura de novas observações que eventualmente os possam comprovar, mas que também poderão demonstrar que estavam desajustados da realidade.

Mas também não basta possuir uma forma inovadora de observação do universo. É preciso fazer a pergunta certa e procurar no sítio onde está a chave.

É assim a ciência.

António Piedade

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