Diziam os adultos que era uma terra de muralhas e
castelo, que foi ali que casou D. Dinis com
D. Isabel de Aragão (a Rainha Santa Isabel) em 26.06.1282, numa capela
sita nos terrenos da feira a assinalar esse evento e que também tem, fora das
muralhas, tal como esta, uma capela a Santa Eufêmia e que teve um sapateiro
muito conhecido o senhor “Bandarra”.
As duas capelas
No mês de agosto, aquando da feira de São
Bartolomeu, os adultos partiam de madrugada, quando esta ainda era uma criança,
para levarem os animais à feira pela fresca, para os venderem e realizarem
algum dinheiro, e comprarem outros a desmamar que iriam engordar durante um ou
dois anos, tirarem algum proveito do trabalho que fizessem com estes, pois, se
já amansados com o peso do jugo no cachaço teriam melhor venda e assim nos
próximos anos o ritual iria repetir-se. Os proveitos aqui obtidos iam ajudar a
suporta o limitado orçamento familiar. Era dali que, na volta, nos traziam os
primeiros melões e peras, pois na aldeia não os havia ou apareceriam mais tarde,
o que levava os garotos a espreitarem os alforges no lombo das burras para
verem o que ali vinha.
Aqui fazia-se a maior feira de gado vacum e muares
do país. O velho cigano sentado no meio do monte de roupa a granel, ou dos
sapatos de todos os tamanhos, encostado ao metro de madeira, com o tamanho “de
um metro”, qual cajado de pastor, vigiava e orientava as suas esbeltas filhas,
ou netas que procuravam vender aos aldeões os produtos expostos; também
prendiam a atenção e encantavam os garotos ou rapazes samarras. Não faltavam os
carroceis e pistas de carrinhos elétricos, onde alguns procuravam treinar, para
no futuro tirarem a carta, mas como ainda não estavam habilitados, não raro,
alguns sairem dali com os dentes partidos, com choques de uns nos outros, mas
se o negócio tinha corrido bem a dor era atenuada.
O
pequeno almoço que havia de ser carregado no lombo das burras para quando
chegassem à feira e um belo exemplar, que bem podiam ser da aldeia, mas, esta é
da net, pois, em vez destes agora só há tratores.
Vendem-se
mãe e filho e seu irmão o macho filho de burra e cavalo.
A história de uma ida à feira com uma noite passada
ao relento nos terrenos da feira a lutar contra o sono, não viesse o “cigano” e
levasse as burras, dava pano para mangas, mas vamos ficar por aqui pois temos
de visitar o “profeta” e o “povoador”.
O Profeta, o senhor
“Bandarra” de seu nome Gonçalo Annes Bandarra, ou Gonçalo
Anes, foi um sapateiro de Trancoso e profeta, autor de trovas messiânicas que
ficaram ligadas ao sebastianismo e ao milenarismo português. Nasceu em 1500 e
morreu 1556.
Estatua de Bandarra, desde 1641, em Trancoso.
Quando era garoto o meu pai contava esta
adivinha: quem foi que disse que as estradas de Portugal se iriam cobrir todas
de luto! Como os caminhos da minha terra, eram mesmo todos de terra e eu nunca
tinha visto uma estrada alcatroada, vestidas de luto, é óbvio que nem entendia
a pergunta, mas ele explicou e a profecia até na aldeia se cumpriu, ainda que
só nos anos da década de sessenta.
Era sapateiro de profissão e dedicou-se à divulgação em verso de profecias de cariz messiânico. Tinha um bom conhecimento das escrituras do Antigo
Testamento, do qual fazia as
suas próprias interpretações, tendo composto uma série de "Trovas"
falando sobre a vinda do Encoberto e o futuro de Portugal como reino universal. Por
causa disso, foi acusado e processado pela Inquisição de Lisboa, desconfiada de que suas Trovas contivessem marcas
de Judaísmo. Foi inquirido perante este tribunal, condenado a participar na procissão do auto-de-fé de 1541 e também a nunca mais interpretar a Bíblia ou escrever sobre assuntos da teologia. Apesar da grande aceitação de suas Trovas entre
os cristãos-novos, não se sabe ao certo se era ou não de ascendência judaica.
Suas "Trovas", em parte por conta do interesse despertado entre
os cristãos-novos mas sobretudo por conta de seu sucesso após Alcácer-Quibir (1580), foram incluídas no catálogo de livros proibidos em 1581.(Podem ler mais na net.)
As Trovas do Bandarra influenciaram o pensamento sebastianista e
messiânico de Padre António Vieira e de Fernando Pessoa. São três os pontos
da profética de Bandarra: o Quinto Império, a ida e regresso de el-rei D.
Sebastião e os destinos de Portugal. Após ter sido julgado pelo Tribunal do
Santo Ofício, em 1541, e do qual recebeu pena leve, retornou a Trancoso onde veio a
falecer em 1556 e o seu túmulo
encontra-se na igreja de S. Pedro nesta cidade.
Faço trovas muito inteiras, Versos bem medidos, Que hão de vir a ser cumpridos, Lá nas éras derradeiras.
Eu componho, mas não ponho, As letrinhas no papel, Que o devoto Gabriel,
Vai riscando quanto Eu sonho. (O Gabriel era o Pe. Gabriel João,
seu vizinho, o seu escrivão, pois ele não sabia escrever).
A giesta não se troce (Portugal), Muito amargo o Sargaço (França), Tudo quanto agora faço, São bocados de erva doce.
Quando eu morrer achareis, Por desgraça ou por ventura, Os ossos na
Sepultura, E a Alma nestes papeis. (A alma do escritor fica vivendo nos seus escritos).
O Povoador, pai de
299 filhos!.... Circulam na net e’
mails, sobre a “Sentença do prior de Trancoso – O Padre Francisco da Costa”,
com a indicação de que esta está arquivada no Arquivo da Torre do Tombo,
querendo com esta informação precisa (da cota de arquivamento; armário5.0, maço
7), dar total credibilidade ao assunto. Esta polémica terá visto a luz da
ribalta, quando o Professor José Hermano Saraiva (1920-2012), num dos seus
serões televisivos na RTP, em 1995, fez desta história/lenda um programa.
Segundo o e’mail, o Padre
Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e dois anos, será
degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas publicas nos rabos dos cavalos,
esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes
distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo
acusado de ter dormido com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete
filhas e trinta e sete filhos; de cinco irmãs teve dezoito filhas; de nove
comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas; de sete amas teve vinte e nove
filhos e cinco filhas; de duas escravas teve vinte e um filhos e sete filhas;
dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria
mãe teve dois filhos.”Total: duzentos e noventa e nove, sendo duzentos e
catorze do sexo feminino e oitenta e cinco do sexo masculino, tendo concebido
em cinquenta e três mulheres”.
“El-Rei D. João II perdoou-lhe a morte e mandou-o por em liberdade aos
dezassete dias do mês de Março de 1487, com o fundamento de Ajudar a povoar
aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e, em proveito de sua
real fazenda, o condena ao degredo em terras de Santa Cruz, para onde segue a
viver na vila da Baía de Salvador como colaborador de povoamento português
e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais
papéis que formaram o processo “.
Segundo o escritor e investigador de Trancoso, Santos
Costa, no seu livro “O Padre Costa de Trancoso”, publicado em 1.10.2007, conta
que esta lenda do Padre de Trancoso parece ter começado em 1487 quando, por
Carta Régia datada de 31 de agosto, o monarca português «legitimou Maria Gomes,
filha de Diogo Gomes, pároco da Igreja de São Pedro (de Trancoso) e de Maria
Eanes, mulher solteira, residente na vila de Trancoso». Poderá ter sido esta
legitimação que deu origem à lenda.
Perante os factos atrás referidos e para esclarecer o
assunto, resolvi consultar o Arquivo da Torre do Tombo e eis a resposta dos
serviços da Torre do Tombo:
Bom Dia Ex.º Sr.
António Paulos,
Obrigado pela
sua mensagem. Temos o prazer de o informar do seguinte relativamente à sua
questão:
1-
Na sequência da pesquisa realizada nos índices de diversos fundos e
colecções documentais do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, incluindo a
Chancelaria Régia de D. João II (1481-1495), não foi localizado qualquer
documento dos séculos XV e XVI em nome do Padre Francisco da Costa (ou Padre
Fernando Costa), prior de Trancoso, designadamente um processo crime ou uma
carta de perdão.
2-
O historiador Pinho Leal na sua obra "Portugal Antigo e Moderno -
Diccionario", Lisboa, 1880, 1.ª edição, vol. 9, pp. 718 e 719, ao
referir-se à história de Trancoso, dá notícia deste insólito prior de Trancoso
e da sua vastíssima prole, fruto de relações criminosas com numerosas mulheres.
Porém, chama-lhe Padre Fernando Costa, diz que a sentença é datada do ano de
1478 e depois que a mesma foi perdoada pelo Rei D. João III a 17.10.1541 !!!
3-
Pelo exposto, decidimos alargar a nossa pesquisa quer ao Tribunal do Santo
Ofício (cujo fundo tem início em 1536), designadamente à Inquisição de Coimbra,
de Lisboa e de Évora, quer à Chancelaria Régia de D. João III (1521-1557),
procurando sempre pelos dois nomes, ou seja, Padre Francisco da Costa e Padre
Fernando Costa. No entanto, chegámos à conclusão que não existe qualquer
processo crime nem carta de perdão em nome destes dois padres Costa, muito
embora existam vários homónimos chamados Fernando da Costa e Francisco da
Costa.
4-
Em síntese, tal como sugere Pinho Leal, cremos que se trata de uma notícia
fantasiosa e sem o mínimo de veracidade histórica, na medida em que não se
encontram quaisquer documentos coevos sobre o assunto. Quanto à cota indicada
(Torre do Tombo, armário 5, maço 7), não corresponde rigorosamente a nada, na
actualidade.
Com os melhores
cumprimentos,
PAULO TREMOCEIRO
Chefe de Divisão de Comunicação e Acesso
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Para
dentro destas portas Del’Rei, uma das que dão entrada para a cidade medieval muralhada,
muitas histórias misteriosas se escondem, daí o fascínio desta terra, sobre os garotos Samarras,
tinha razão de ser.
Junho 2018(68)
Apaulos
Eu que julgava que a história era verdadeira, porque contada pelo Prof. Hermano Saraiva na RTP. Obrigado pelo esclarecimento
ResponderEliminarCaro Apaulos as suas recordações de garoto sobre Trancoso e suas feiras, também são as minhas e creio que de todos os da nossa geração. Gostei de recordar através da sua prosa, obrigado.
ResponderEliminarAté o Professor enganava os seus fieis ouvintes, (RIP), Bom trabalho Apaulos.
ResponderEliminarORÇAMENTO PARTICIPATIVO: ESTÁ NA ALTURA DA APRESENTAÇÃO DOS ORÇAMENTOS PARTICIPATIVOS NOS CONCELHOS QUE TÊM O HÁBITO DE O FAZER.
ResponderEliminarDEIXO AQUI UMA SUGESTÃO AOS AUTARCAS DA FREGUESIA DO VALE DE MASSUEIME:
PARA ESTE ANO, UM PROJETO QUE ENVOLVE TODAS AS TERRAS DO CONCELHO, MAS SOBRETUDO A NOSSA TERRA O CENÁRIO DOS ACONTECIMENTOS, POIS TODAS DERAM HOMENS PARA ESTA INDUSTRIA.
O MONUMENTO AO MINEIRO QUE PERPETUARÁ OS QUASE 100 ANOS DE EXPLORAÇÃO MINEIRA NO CONCELHO DE PINHEL E LEMBRARA AQUELES QUE SE FORAM "EMBORA", MAIS CEDO POR CAUSA DO MAL DAS MINAS, PORQUE SE NADA SE FIZER, DAQUI A POUCO TEMPO, ESTA FOI UMA INDUSTRIA QUE NINGUÉM SABERÁ QUE EXISTIU NO CONCELHO DE PINHEL.
PARA O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE 2020, UM OUTRO PROJETO QUE TAMBÉM DIZ RESPEITO A TODO
O CONCELHO DE PINHEL, MAS SOBRETUDO AOS SANTAEUFEMENSES, E O PROJETO SERIA O SANTUÁRIO DAS SENHORA DAS FONTES, PARA O ALINDAREM E CRIAREM ALGUMAS INFRAESTRUTURAS QUE LHE FAZEM FALTA, PARA QUE OS ROMEIROS SE SINTAM BEM NESTE LUGAR DE LOUVOR À VIRGEM MÃE DE DEUS E QUE MELHORES ARGUMENTOS PARA CONSEGUIREM A APROVAÇÃO DE TODAS AS FREGUESIAS DO CONCELHO,
POIS JULGO QUE TODAS GOSTA DO SANTUÁRIO DA SENHORA DAS FONTES, DO QUE A COMEMORAÇÃO DOS 250 ANOS DA DATA DA INAUGURAÇÃO DA IGREJA DESTE SANTUÁRIO, RELEMBRANDO E AGRADECENDO OS ANTEPASSADOS QUE METERAM OMBROS A ESTA TÃO NOBRE INICIATIVA E DA QUAL TODO O CONCELHO SE ORGULHA.
FICAM AS SUGESTÕES A QUEM DE DIREITO E ESSES SOMOS TODOS.FORÇA AMIGOS, PORQUE NUNCA SERÁ DEMAIS HONRAMOS OS NOSSOS ANTEPASSADOS RECENTES OU LONGÍNQUOS. APAULOS
subscrevo o monumento ao mineiro embora não acredito que exista sensibilidade para tal por parte de quem tem responsabilidade
EliminarNa feira de Trancoso diz a aldeã, que estava a vender bácoros, para a rapariga cigana: menina compre-me um bácoro e dou-lhe um chouriço de borla! Olha esta, por causa de um chouriço tinha que levar com o porco em cima e nem certificado está; isso a menina é que o vai certificar!....
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