Santa Eufêmia – uma aldeia do Concelho de Pinhel, tem uma história, património e tradições culturais e religiosas, umas ainda activas outras que reaparecem de quando em vez; que outras aldeias vizinhas nunca conheceram e que nos deixam cheios de gáudio e sempre que são reactivadas, sejam elas as tradições culturais, religiosas ou outras, estamos a honrar os nossos maiores. 
Nesta época da Quaresma à Pascoela, que varia conforme o calendário, não sendo uma festa de calendário fixo, realizando-se no 1º domingo após a primeira lua cheia do equinócio da primavera; embora o Papa Francisco já tenha deixado antever que gostaria que tivesse uma data fixa, pensamento que já o Papa Paulo VI,1963-78, também teria expressado, aproximando-se, assim, da data da igreja Ortodoxa. Nesta época, em grande parte das cidades e aldeias de Portugal, celebram-se muitas cerimónias festivas alusivas a esta quadra. 

Parte da aldeia numa noite fria antes do terço (do Blog).
Na aldeia Samarra era/é assim: 
Depois do dia de Entrudo, dia em que o almoço era melhorado com a tradicional carne de porco: da cabeça, pés e costelas, que se arrancavam ao sal da salgadeira, procurando nos cantos da arca artesanal ou no meio das outras peças, a que se juntavam umas chouriças de ossos e assim se fazia um sempre esperado almoço de Entrudo, que fazia a ponte para a Quarta Feira de Cinzas e Quaresma, em que o consumo de carne era proibido na Quarta Feira de Cinzas e nas Sextas Feiras, por preceitos do tempo Quaresmal; proibição que se podia ultrapassar com a compra da “bula” mas que, por aqui eram poucos os que tiravam a” bula” que lhes permitia ultrapassar este preceito, porque a carne de porco era pouca, não dava para todos os dias e a outra também não costumava, por norma, entrara na maioria dos lares samarras e para o cabrito do Domingo de Páscoa, para os que o podiam comprar, faltavam ainda muitos dias e já não era precisa a “bula”. Os cabritos eram sobretudo, cozinhados nas cozinhas dos padrinhos Samarras, fazendo os compadres um esforço muito grande, para comprarem um, ou desfazerem-se daquele que criaram durante meses, para mandarem o afilhado levar o bicho ao padrinho, na expectativa que os compadres lhes cedessem umas terras, de terças, para semearem uns alqueires de centeio, ou uns dias de trabalho, remunerados a 6$00 dia, sol a sol, em detrimento de outros, para poderem pôr o pão na mesa da família.

Como a electricidade só chegou à aldeia Samarra em 1966 e foi a primeira aldeia a festejar tal evento, por via da necessidade imperiosa da exploração das minas de Urânio, as “ Minas da Senhora das Fontes”, o que veio a beneficiar a aldeia, mais cedo do que as restantes freguesias, mas demorou alguns anos, até que a maioria dos habitantes pudessem rodar o interruptor e assim darem descanso às candeias de petróleo e o ligar de aparelhos de refrigeração ainda demorariam muitos anos, na maioria das lares samarras e a maneira de guardar a carne do porco que cevavam e matava nos primeiros meses frios do inverno, era salgadeira e a banha do porco que depois de salgada mudava o nome para “unto” com o qual se temperava o caldo de feijão e couves.

Deixemos, por agora, a gastronomia e avancemos. 
A Quarta-Feira de Cinzas era assim e assim é: o portal para o caminho Quaresmal que havia de durar 40 dias, até ao Domingo de Ramos que dá passagem para a Semana Santa. A Quaresma entra de uma maneira chocante, como se fosse preciso um abanão para nos acordar; dizia e diz o celebrante da missa, na imposição do pó das cinzas; “lembra-te ó homem que és pó e em pó te hás-de de tornar”. Claro que nós, os garotos, ouvíamos mas não entendíamos aquele palavreado dito em latim; mesmo que fosse em português, parecer-nos-ia uma parábola e quanto a parábolas, mesmo as proferidas por Jesus, quando Ele se expressava por este meio às multidões, nem mesmo os seus apóstolos as entendiam e tinha de lhes dar aulas particulares para que compreendessem o seu significado; ora, pelo que, não admirava que os garotos Samarras também as não entendessem, mas portavam-se como viam os seus maiores portarem-se e o que destoasse ou desrespeitasse a ocasião, era repreendido com um puxão de orelhas, na hora e no coro da igreja havia especialistas a cumprir o ritual do puxão de orelhas.

Uma das tradições religiosas que remontam a tempos imemoráveis, no período da Quaresma era o “cantar do terço” pelos caminhos e carreiros da aldeia, já que as ruas de hoje ainda eram inomináveis e que de parecenças só têm o mesmo percurso de antanho; elas eram uns lajedos aqui, uns lamaçais acolá, que os tapetes da época procuravam encobrirem e cobrir e se o petróleo se acabava na candeia lua, só os tamancos se apercebiam quando os pisavam, já vidrados pelo gelo que caia, mas então, tal como agora, os sentimentos e a devoção postos nesta tradição eram os mesmos. O que agora também não se ouvem são os cães a ladrar, ao contrário de há umas dezenas de anos, quando os cantantes passavam, pois cada casa tinha um ou mais, sobretudo para guardarem os animais, “o vivo” e hoje são mais as casas vazias que as habitadas e agora os animais, não passam de coelhos e galinhas em poucas capoeiras e que a raposa espreita na presunção de que a mulher samarra se tenha esquecido de fechar a porta. Exceptuam-se umas poucas de ovelhas de um pastor retardatário numa actividade já descontinuada e nunca houve tanto os campos para comerem como agora.

Mandava a tradição que os dois grupos, cantantes do terço, se formassem pelos rapazes solteiros, no entanto, com o escassear de rapazes começou a ser permitido aos homens casados integrarem-se nos mesmos. 
Após a ceia, agora jantar, começavam por se organizarem junto do forno comunitário, que, por cozer ininterruptamente estava sempre quente e logo que houvesse um grupo significativo, tocavam as 3 badaladas no sino e já na porta da igreja, dava-se início ao canto do terço com o “Padre Nosso e as “Avé –Maria”.

O forno, que ainda hoje existe e se activa para cozerem os bolos de Páscoa, foi um equipamento muito importante e imprescindível para as gentes de então e os de agora perpetuaram o seu bom desempenho, dando-lhe de presente uma rua, a “Rua do Forno”.

Nesta Quaresma de 2016 e por iniciativa da “Confraria dos Ermitães”, reactivou-se esta tradição, sendo justo referir também o nosso maestro o José Tenreiro, que procura que os participantes não saiam muito do tom, respeitando as partituras e a tradição. No dia 27 de Fevereiro 2016, no 3º. Sábado da Quaresma os dois grupos totalizávamos 30 Samarras, mas com rapazes, homens e mulheres, dado que os habitantes são cada vez menos e o grupo das mulheres compunha-se de senhoras (solteiras, casadas e viúvas) e que bem soavam as vozes femininas no meio das vozes grossas e roucas dos homens. 
O mais jovem do grupo tinha 90 anos José Fernandes - “ Ti Zé Sacristão” e a benjamim a “Maria Santos” com os seu 18 anos – a Maria faz parte do grupo das sete manas Samarras que habitam no Bairro da Quintã. 
Após as 3 badaladas demos início ao nosso propósito e esta peregrinação pelas ruas da aldeia demorou uma hora, seguindo o percurso da procissão, volta grande, mas em sentido contrário e da porta da igreja até à Torre, cantando as 14 Excelências a Maria.

Para os que ainda têm ideia e possam recordar e para que não se perca no tempo, aqui fica como era e como foi nesta Quaresma:

Enquanto um dos grupos canta o outro toma posição mais à frente para cantar ( J. Fernandes)


Padre Nosso 
Iº grupo: Pa-dre nosso q’estais no céu, santifi-cado seja o Vosso no-me. O ora venha a nós o Vosso reino; seja feita a Vossa von-tade assim na terra co-mo no céu.
IIº grupo: O pão-nosso de cada dia, nos dai hoje, perdoai-nos Senhor as nossas dí-vi-das como nós perdo-a-mos aos nossos devedores. Não nos deixeis cair em tenta-ção, livrai-nos Senhor de to-do o mal, A-mén Je-sus.

Avé Maria
Iº grupo: A-vé Ma-ri-a, cheia sois de gra-ça o Se-nhor é con-vosco, ben-dita sois vós en-tre as mulhe- res bem-dito é o fru-to do vosso ventre nas-ceu Je-sus. 
IIº grupo: San-ta Ma-ria, santa Mãe de Deus rogai por nós pe-ca-do-res, a-go-ra e na ho-ra da nossa mor-te A-mén Je-sus.

Segue-se o “Glória Patri” e enquanto o Iº grupo canta a Iª parte o outro ultrapassa o Iº grupo e já canta a segunda parte à frente deste e assim será, alternadamente, após cada glória. 
Gló-ria Pa-tri et Fi-li-o et Spi-ri-tui Sanc-to; Si-cut e- rat in prin-ci-pio et nunc et sem-per et in saecu-la sae-cu- lorum Á - men.

Concluídos os mistérios do terço junto do cruzeiro do largo da igreja, cantam-se as 3 Avé-Maria até à porta da igreja, e um elemento do grupo, por norma o mais idoso, ajoelha-se na escadaria frontal ao portal da igreja, seguido dos restantes e apresenta a Deus algumas intenções, no que outros o poderão imitar e de seguida rezam o Padre Nosso e a Avé - Maria. Esta cerimónia é concluída com a “Salve Rainha” e logo de seguida os dois grupos toma posição, agora não em circulo, mas uns ao lado dos outros e de braço dado e começam a cantar as “14 Excelências a Maria”, daqui até à Torre Sineira.

Terminado o terço, dá-se início ao cantar das Excelências a Maria.(J. Fernandes)

1º grupo: Pri-mei-ra Exce-lência, vós Vir-gem ti-ves-tes Senho-ra do Ro-sário. 
2º grupo: Ben-dito o vosso ventre, servi-ra de sacrário. 
1º grupo: Sacrário aber-to, cheio d’ ale-gri-a, os an-jos vos lou-vem uma A-vé Ma-ri-a. 
2º grupo: A-vé Ma-ri-a, cheia sois de gra-ça o Se-nhor é con-vosco, ben-dita sois vós en-tre as mulhe- res bem-dito é o fru-to do vosso ventre nas-ceu Je-sus. 
1º grupo: San-ta Ma-ria, santa Mãe de Deus rogai por nós pe-ca-do-res, a-go-ra e na ho-ra da nossa mor-te A-mén Je-sus. 
Esta oração repete-se 14 vezes, ( Se-gun-da Exce-lência ………. ) findas as quais e já junto da Torre Sineira, tocam as 3 badaladas e assim termina esta tradição imemorial.


Assim como se juntaram, vindo dos 3 caminhos que desembocam no largo da igreja, assim se dispersaram pelos caminhos de volta para suas casas, para um merecido repouso, após esta manifestação de amor Àquele que é Amor e que se dá gratuitamente. Refira-se que toda a cerimónia decorreu com respeito e dignidade, tal como os nossos antepassados o faziam. 

Quando a composição dos grupos era só de rapazes e os habitantes eram muitos, os postigos e janelos entreabriam-se e as pessoas, sobretudo as raparigas, espreitavam para verem se o seu rapaz também ali ia, quando o luar os permitia identificar. 
Nesta manifestação participaram, além dos acima identificados por serem, o mais idoso e a benjamim, os seguintes Samarras: Alberto, Alcina, Amélia, Anita, Antónios (3), Ausenda, Bruno, Celeste, Céu, Cláudia, Delfins (3), Fátima, Frederico, Graça, João, Josés(3) Maria Celeste, Maria Jesus, Paulas (2) Paulo e Rosete. Destes, 5 eram casais. 
Numa terra em que, a pequena - imensidão dos sós… se junta para empreender e manter viva uma tradição, surge-me referir o que dizia o “Índio Dakota: seremos conhecidos para sempre pelas pegadas que deixarmos”. Estes Samarras também serão recordados por não deixarem cair as tradições dos seus maiores. 
Terminada a caminhada dos 40 dias da Quaresma, número com significado simbólico bíblico; os 40 dias de dilúvio, 40 foram os dias que Moisés permaneceu no Monte Sinai, 40 anos demorou a caminhada dos hebreus pelo deserto, após cerca de 400 anos de êxodo no Egito, de 1700 a 1300 a. C conduzidos por Moisés, entrando já na Terra Prometida guiados por Josué e 40 foram os dias que Jesus jejuou no deserto, enquanto era tentado por Satanás que perdeu o tempo dos seus intentos, pois Jesus ordenou-lhe que se afastasse. 
Antes da Semana Santa, temos o Domingo de Ramos, que faz a transição da Quaresma para esta.

Miguel Paulos com o seu ramo/foto Rafael Paulos

A cerimónia do Domingo de Ramos começava pela bênção dos ramos, seguida da missa e procissão de ramos pelas ruas da aldeia. 
Neste dia, todos os garotos e rapazes primavam por arranjar e enfeitar o seu ramo, de preferência, com flores selvagens, nomeadamente as campainhas amarelas, para verem quem conseguia levar o ramo mais bonito na procissão, que percorria as ruas da aldeia; recordando e recriando as cenas da multidão que seguia Jesus, quando descia o Monte das Oliveiras a caminho de Jerusalém, pela última vez, antes da Sua Crucificação, sendo aclamando com Hossanas pelo meio de ramos de palmeira. 
Um tal de Elias, quando procurou arranjar o seu ramo foi à Lomba do avô e ao ver que uma planta que ali estava dava um rico ramo, não esteve com mais esta ou aquela e encostou ao frágil tronco a pedoa e fez dela o seu lindo ramo; o problema foi quando o avô reconheceu aquela que fora uma planta, que ele esperava que rapidamente crescesse e desse um saco de azeitonas, ali transformada em “ramo” de Domingo de Ramos e então ajustou contas com o neto. Estes ramos benzidos eram guardados em casa, para proteger os seus habitantes das tempestades e trovoadas. 

Estamos na Semana Santa em que se celebra a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo e as três badaladas do sino deixam de se ouvir, pois, estes davam lugar à actuação da matraca,


que é mais difícil de manobrar que o badalo dos sinos e o seu som, ao romper no silêncio da noite, assustava os garotos que, já na cama, metiam a cabeça debaixo da manta de trapos e cobertor de papa, que os agasalhavam e protegiam do rigor do frio que entrava pelos buracos das casas de pedra sobre pedra ligadas com barro vermelho, ou pelas frestas das telhas mal assentes, umas sobre as outras, por acção do vento nordeste e os adultos ouviam o grito da matraca com respeito. Estes cobertores eram fabricados em Maçaínhas – Guarda, com lã de ovelhas churra, da região da Serra da Estrela e já remontam ao tempo de D. Sancho II e ainda hoje se fabricam.


Cobertores de papa

Como o tempo não espera, o relógio já marca as 15h00 de Quinta Feira Santa, que até às 15h00 de Sexta Feira Santa, estas 24h00, eram guardadas por todos em respeito à morte do Senhor. 
Na Quinta Feira Santa celebrava-se a cerimónia da Ceia do Senhor com o rito do lava-pés relembrando a atitude de Jesus na última ceia para com os seus discípulos (Jo,13 -3) e a adoração da Santa Cruz. 
Já na Sexta-Feira Santa, da parte da manhã o acto Penitencial (as confissões) e de tarde a cerimónia dos Ofícios ou Enterro do Senhor. Montava-se na igreja o esquife coberto com um pano roxo e de cada um dos dois lado, tomavam lugar 3 padres e davam início à cerimónia, ora sentados ora de pé, liam e cantavam os salmos, e a liturgia da Paixão do Senhor; tudo em latim, pelo que a maioria de nós assistíamos com respeito mas sem entendermos o que diziam. Esta cerimónia demorava uma hora bem puxada e a sua realização com esta pompa era possível, porque existiam muitos sacerdotes e juntavam-se para estas cerimónias. 
Após o Concílio Vaticano II, que acaba de celebrar os 50 anos, todos os actos litúrgicos passaram a ser feitos em língua vernácula, logo entendidos por todos. 
Neste dia também se fazia a Via-Sacra pelas ruas da aldeia, volta pequena. Já que falámos no esquife, e para compreendermos a sua presença nestas cerimónias, revisitemos a sua utilização que se verificou até ao início da década de 40 do século passado e ainda conviveu com o caixão, até que este passou a ser usado em definitivo. 
Tinha o feitio de uma masseira, se bem que mal comparado, era revestido de um pano branco e o defunto envolvido em lençóis brancos, era ali colocado e transportado por quatro homens, familiares ou amigos, tinha 4 pernas para permitir aos homens descansarem no percurso, que era longo e a subir, para o cemitério velho; o defunto envolvido em lençóis, era assim colocado na sepultura. 
Aquando da Junta de Freguesia de 1942/46 presidida por Augusto Carapito, comprou uma carreta para transportarem os caixões.
Com a entrada em cena das agências funerárias tudo se alterou.

Torre Sineira

Durante a Quaresma, as mulheres faziam a “Encomendação das Almas”, para o que se reuniam junto da Torre Sineira, cá temos mais uma vez o marco incontornável da aldeia “o sino”, já objecto de uma crónica em 25.04.2012 ”Homenagem aos Sinos da Torre da nossa Aldeia”, pelos inestimáveis serviços que prestou e ainda presta às gentes deste chão. A sua localização, um lugar alto, também se presta a isso. As mulheres e raparigas, tendo como assistência os homens e garotos, cantavam: quadras e Avé-Marias, com badaladas dos sinos pelo meio. Referimos aqui apenas algumas quadras que declamavam nesta tradição, que já não se pratica e também não temos memória viva da mesma, mas ainda temos Samarras vivas, que participaram nas mesmas e no-las recordaram:


Acordai se estais dormindo 
Aí desse sono em que estais 
Rezai um Padre-Nosso 
Aí às almas dos nossos país;

Acordai se estais dormindo 
Aí desse sono tão purtório 
Rezemos um Padre-Nosso 
Aí às almas do purgatório;

Acordai se estais dormindo 
Aí desse sono tão profundo 
Rezemos um Padre-Nosso 
Aí às almas do outro mundo.


Rezar as Alvísseras 
No Sábado - Aleluia ia-se à Ermida rezar as Alvíssaras, convocados pelo som dos sinos cerca das 23h00, reuniam-se junto da Torre e davam início ao canto. Nesta tradição podiam participar todos. Apenas quatro das várias quadras:


Às onze horas da noite 
Sábado - Aleluia 
Vamos pedir as alvíssaras 
À virgem Santa Maria; 

Virgem do Rosário 
Do rosário branco 
Acordai as almas 
Que não durmam tanto; 

Virgem do Rosário 
Do rosário preto 
Acordai as almas 
Que venham ao terço


Cantavam e rezavam todo o caminho e quando chegavam ao alto da colina, à Ermida, o Ermitão abria a porta da Capela e ali cantavam e rezavam e voltavam à aldeia e já junto das escadas da igreja cantavam:


Estamos das bandas de fora 
Nós queremos entrar para dentro 
A entregar as alvíssaras 
Ao Santíssimo Sacramento.

Terminado o Tríduo Pascal, chegamos ao Domingo da Ressurreição do Senhor a festa maior no calendário litúrgico dos católicos e como a freguesia tinha pároco residente, era aqui que se faziam as cerimónias de Sábado Aleluia com a vigília - pascal, a noite mais longa, seguida da missa do Domingo de Páscoa ou Ressurreição de Jesus Cristo. 
Este Cristo que é da nossa era, pois ela começa com Ele e como perante factos comprovados não há argumentos contraditórios, Ele que tinha as duas naturezas, divina e humana, como foi reconhecido pelos padres conciliares no Concílio Ecuménico de Calcedónia, hoje Istambul, realizado em 08/10/451, na Igreja de Santa Eufêmia; é-nos fácil acreditar e crer nas palavras com que começa o Credo: Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra e em Jesus Cristo, Seu único Filho, nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo
Difícil foi a tarefa de Saulo (Saul), (São Paulo), que depois de andar anos a perseguir os cristãos, até ao dia em que com a sua trupe, na estrada de Damasco foi questionado por Cristo; Saulo, porque me persegues?... Teria 35/38 anos, menos 10 que Jesus. Dali para a frente mudou o nome para Paulo e mudou de campo e teve uma tarefa muito difícil, a de O fazer acreditar perante os judeus, para quem era um “escândalo”, pois não era este o Emanuel, o Messias que esperavam e uma” loucura” para os pagãos!... Como acreditar num Deus que se deixa pregar e morrer numa Cruz!...

Ermida Senhora das Fontes inaugurada em 1771

Segunda feira da Pascoela
Na 2º feira da Pascoela, de manhã, iam à Ermida da Senhora das Fontes e após as preces, regressavam à aldeia e logo a seguir ao almoço, iam dar as Boas Festas de Aleluia, em todas os lares da aldeia e recolher o folar. A tradição da ida à Ermida já caiu em desuso. 
O cortejo era formado por 3 indivíduos homens/rapazes vestidos com as opas, um que levava a Cruz, por norma era o sacristão, outro levava a caldeirinha da água benta e outro o saco das esmola/ofertas, o Sr. Prior com o seu barrete quadrado e tufo pretos em cima, o barrete de cor violácea e vermelha é para bispos e cardeais, e os garotos revezavam-se com a campainha que anunciava o cortejo e assim visitava todos as casas que lhes abrissem as portas e eram mesmo todas.

O Barrete do prior, o preto à esquerda.
O prior entrava dizendo Aleluia, Aleluia, aspergia os presentes reunidos numa sala, o portador da cruz dava o Cristo a beijar, o do saco retirava da mesa a oferta que poderia estar num envelope ou num prato, trocavam-se umas palavras de ocasião, comia-se um doce ou uma amêndoa e bebia-se ou não, um cálice de vinho e partiam para a mesma cerimónia para a casa do vizinho ali ao lado. 

Termino esta prosa com mais um provérbio índio, que bem se poderia adoptar a muitas aldeias!.... 
Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar, 
Não ande na minha frente, talvez eu não queira segui-lo, 
Ande ao meu lado, para podermos caminhar juntos –“ Índio Ute”. 
Agradeço às Torres do Tombo Samarras que, com a idade vão ficando mais bibliotecas de conhecimento e experiência e me ajudaram a recordar e a compor estas linhas e ao A. Rodrigues, pois também me socorri de uns apontamentos seus, que me ajudaram a fundamentar algumas passagens desta. A todos bem hajam. 
Prever o futuro era tarefa dos profetas, mas ao revisitarmos o passado, não é apenas memória, é também o querer recriar o que eles faziam e assim manteremos estas tradições que são património Samarra. 
Relembrar e realizar estas tradições, não terá muito a ver com terceiros, mas tem connosco e isto basta-nos, porque foi aqui que fomos embalados nos tempos de meninice, ainda que, eventualmente, dentro de um alqueire que servia de berço. 
Seguir os passos dos que nos procederam, desde os tempos imemoriais, dá-nos a sensação do dever cumprido e faz-nos sentir bem. 
Santa Páscoa para todos.


Março 2016 (56) 
Apaulos


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  1. Vou ler hoje com mais tempo. Boa Páscoa.

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  2. Confraria dos Ermitães24 de março de 2016 às 10:04

    uma manifestação cultural, que teve a participação de muitos Samarras, nos vários sábados da Quaresma em que se cantou o terço este ano. Ficamos com a certeza que no próximo ano, seremos ainda mais.
    A Confraria dos Ermitães deixa aqui o agradecimento a todos, os que de alguma maneira, participaram nesta mostra do nosso património Samarra.

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  3. Que linda narrativa, mais uma, para nos recordar como era e para que estas tradições não morram. Agora sou eu que digo ao autor: "Bem haja" pela dedicação e conhecimentos que tem partilhado com todos os Samarras.
    Também um obrigado à confraria pela iniciativa e que esta crónica levou a todos os Samarras.

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  4. Belíssimo trabalho António.Parabens.

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  5. Amigo Apaulos, lindo, gostei de mais este seu contributo para nos recordar como era. Obrigada

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  6. Se os Ortodoxos tambémsão cristãos porque não celebram a Páscoa no mesmo dia?

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  7. Porque os Ortodoxos seguem o calendário Juliano, enquanto os Católicos, orientam-se pelo calendário Gregoriano, de resto adoptado por todos os países ocidentais. A Rússia só o adoptou em 1918.A resposta é esta, mas esmiucemos um pouco mais; Júlio César no ano 42 a.C, substituiu o calendário Romano, pelo calendário Juliano e em 24.02.1582 o Papa Gregório XIII, aconselhado por matemáticos, astrónomos,médicos e filósofos, decretou pela bula "Inter Gravissimas" o Calendário Gregoriano em substituição do Juliano.O primeiro dia deste calendário foi em 15.09.1582 e tem 365 dias, 05 horas, 49 minutos e 12 segundos.Em 2017 e 2025, estas festas vão coincidir em 16 Abril 2017 e 20 Abril 2025 nas duas igrejas.

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  8. É BOM SABER QUE MANTÊM AS TRADIÇÕES CONTINUEM COMPANHEIROS SAMARRAS E MANTENHAM O NOME DO NOSSA TERRA NO MAPA. BOA PÁSCOA.

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  9. obrigado, Senhor António Paulos, pelo envio deste texto sobre as belas tradições das nossas aldeias: quaresma e Páscoa. Não deixe perder o texto publique-o, nem que seja em qualquer revista, pois é um documento histórico que conserva uma tradição que dentro de umas dezenas de anos provavelmente já ficará esquecida. Oxalá que não.
    Boa Páscoa e Pascoela
    P. Armindo Vaz
    (Obrigado Sr. Prof. Doutor Jubilado da Universidade Católica Portuguesa -Apaulos)

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