PARTE DA CASA FIDALGA E SUA CAPELA, HOJE IGREJA MATRIZ DA ALDEIA, o ex-libris da Aldeia Samarra. |
A Geração Grisalha, de Santa Eufêmia, os da minha idade, sempre foi agradecida e
reconhecida à geração que os antecedeu, os seus progenitores, os de cabeça branca
ou já calvos, que já são raros na Aldeia Samarra. Já partiram quase todos, pelo que, já
não podemos admirar com ternura os seus rostos encarquilhados, os sulcos dos anos
vividos e sofridos gravados na testa e seus cabelos brancos, nelas, escondidos por
baixo do lenço preto e recordar como nos olhavam, com um ar de observação, com um
olhar longínquo, como que a aguardarem que a sua memória fizesse o trabalho de
descodificação e descortinassem a quem pertencemos e pouco depois vinha a
pergunta; tu és filho de quem, a quem pertences?.. Que saudades destes inquéritos
carinhosos de pessoas de quem gostávamos e que admirávamos!.. Eu era filho ou neto
de fulano!.. Ah!.. E estás bom!.. Estou bem sim SENHOR/A e Vossemecê? Eu cá vou
andando enquanto Deus quiser!…
Foi uma geração, que sofreu os efeitos da 2ª. Grande Guerra 1939/1945, com fome e
privações de toda a ordem, uma geração com parcos ou sem recursos, que sofreram
e trabalharam como bestas; de dia nas minas e nas manhãs madrugadoras e no luscofusco das noites ou ao luar, a tratarem as pequenas courelas, suas ou arrendadas,
onde por vezes, a sua estreiteza, nem permitia que o arado puxado pelos burros,
pudesse dar a volta para iniciar novo rego, para prepararem a terra, para espalharem
as sementes das quais esperavam algo mais, do que as que lançavam à terra, para
tirarem o sustento para a família.
Foi uma geração em que poucos sabiam ler, mas apesar disso, foram as nossas mães
que nos ajudaram a conhecer e a juntar as primeiras letras, foram a nossa primeira
biblioteca; tal como o foi a avó do Cardeal D. José Tolentino Mendonça, como o
referiu, com agrado, no dia 10.06.2020, no seu discurso no “Dia de Portugal, de
Camões e das Comunidades Portuguesas”; que foi “a avó materna, uma mulher
analfabeta, mas que foi para mim a primeira biblioteca”. Também foi este Professor,
Homem de Deus, que em duas cadeiras, na UCP, me ajudou a conhecer outras letras,
antes de ser chamado pelo Papa Francisco, para Bibliotecário e Chefe do Arquivo do
Vaticano. D. Tolentino, no espaço de 1 ano e 4 meses, foi de Padre a Cardeal. Quando
foi ordenado Bispo 28/7/2018, no Mosteiro dos Jerónimos, D. Manuel Clemente,
Cardeal Patriarca de Lisboa, realçava a sua inteligência e sensibilidade, o Presidente da
República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, dizia, a sua inteligência e saberes vão
levá-lo longe. O Papa elevou-o à dignidade de Arcebispo e realça as notáveis virtudes
de inteligência e espirito, pessoa exímia. Em 2019/10/5 foi elevado ao Cardinalato,
sendo o quadragésimo sexto Cardeal Português de todos os tempos desde 1198. Um
dia numa aula disse: “sou um desgraçado, não tenho tempo para nada” e aquando do seu
aniversário natalício eu recordei-lhe; olha se tivesse!... Quando foi consagrado Bispo, nos
Jerónimos, dizia: agora tenho que a aprender a ser bispo, será que agora vai ter tempo para
aprender a ser Cardeal!..
A geração de mulheres Samarras de sete-ofícios, que, para ajudarem os maridos nas
tarefas do campo, quando os filhos ainda não tinha idade para ficarem a brincar na rua
com os outros garotos, de bibe e descalços; carregavam-nos ao colo e no outro braço,
a cesta da merenda para o seu homem que dali siga ou viera das minas e chegadas às
courelas, deitavam-nos no meio de um rego de primores, onde ali mesmo lhe davam
a mama para lhes matarem a fome e por vezes eram surpreendidas por uma cobra,
que vinha ao cheiro do leite. Foram elas que na labuta, nas entulheiras do filões dos
minérios de volfrâmio, destinado aos Aliados e ao Eixo 50/50% para cada um,
carregaram o filho recém nascido numa cesta no braço e no outro a bacia com
entulho, procurando equilibrar-se, no meio dos entulhos, para não deixarem cair a
saca de entulho que carregavam à cabeça, até à água da ribeira, para caldearem o
entulho e apurarem o minério que ficava no fundo da bacia e quase sempre vigiadas
de perto pela GNR, para se certificarem de que o minério era vendido ali nas minas e
não desviado para outrem, que o pagava a melhor preço.
Elas foram as nossas costureiras, as nossas lavadeiras corando os cueiros ao ribeiro;
elas foram a última geração do mergulho do cântaro da água na fonte do concelho ou
mesmo na fonte da preguiça, elas foram as padeiras, elas plantaram e espadeiraram o
linho, para fazerem as lindas toalhas, ou os lençóis para estenderem na cama em datas
muito especiais; foram as cozinheiras que prepararam o melhor fumeiro, elas foram as
mulheres mágicas, elas foram tudo, naqueles temos de fome e de trabalho escravo,
sem assistência médica nem reformas, sem tempo para elas, onde faltava quase tudo,
menos o que supria todas as faltas, o “AMOR de Mãe”. Era o tempo em que aldeia
tinha que ser, quase, autossuficiente, tinha que se bastar a si própria.
Aquela geração, que sonhou ver um dia os seus netos Doutores e a “Geração Grisalha”,
blindada com o reboco dos seus progenitores e já com outros horizontes e alguns
meios, continuaram esse esforço para lhes darem a alegria com que tanto sonharam:
verem os seus netos Doutores e saberem que teriam um modo de vida diferente do
seu, sem miséria e sem as privações que eles tiveram. A Geração Grisalha procurou
dar-lhes as ferramentas adequadas, para poderem virar o arado à vontade, onde não
se verificasse a estreiteza de conhecimentos e pudessem ombrear com os srs.
engravatados das repartições e os Doutores a quem os seus avós tiveram de tirar o
chapéu. Era/é com agrado e um brilho nos olhos e sorriso de orelha a orelha, ouvir os
avós dizerem: este é o meu neto, engenheiro, médico, professor etc., eles vivem e
veem neles, a recompensa dos seus sacrifícios. Um dia ouvi o ancião da aldeia, à data,
cerca de 2010 dizer: só cria viver mais uns anitos para dar parte da minha reforma, que
era parca, aos netos; ou pedi a Nosso Senhor que me leve, para não estar a gastar o
vosso dinheiro aqui no Lar.
São os seus filhos com açúcar. Este orgulho e satisfação legítimos, é certificado pelo
número de Doutores que tem a Aldeia Samarra, mais de 140 doutores, “nominados”,
em várias áreas e curiosamente a mais representada é a área da saúde, num chão
onde todos cresceram e morreram, sem irem a um médico, daí muitos terem crescido,
garotos- órfãos, sobretudo e logo de mãe, e os irmãos mais velhos tiveram que fazer
de mães, dos seus manos mais novos. O meu avô paterno casou com duas irmãs e
quem criou os 3 filhos da segunda, incluindo o meu pai, foi a meia irmã do primeiro
casamento, também ainda muito jovem. Hoje a aldeia já não tem 100 residentes e no
tempo do autor desta, eramos cerca de 750, era o tempo dos minérios.
D. José Tolentino lembrou no seu discurso: “A pandemia obrigou-nos a olhar para os
idosos”. De fato, eles são as nossas raízes e não se esqueçam, uma árvore sem raízes,
não vai longe, morre.
Agora que conhecemos a origem do epíteto “O Samarra”, que foi um servidor honesto,
trabalhador e honrado, dos Abades e posteriormente dos Fidalgos, o título desta
crónica é, por si só, uma homenagem aos nossos ancestrais e seus netos; gratidão e
realização.
As eleições autárquicas, estão para breve, atrevo-me a profetizar, que, quem se
comprometer com o “Monumento ao Mineiro” que lembre e homenageie, esta
indústria e estes mineiros-camponeses, que durante quase um século aconteceu no
concelho de Pinhel e sobretudo na Aldeia Samarra, se sentará na cadeira do poder.
Junho 2020 (79 no blog).
Apaulos
Foi uma geração de ouro António.A sabedoria dos que ainda estão entre nós,supera a de todos os doutores, que só agora lhes prestam a devida vênia !
ResponderEliminarEle voltou, obrigado Apaulos, por mais uma linda homenagem aos nossos pais e avós, que todos estejamos à altura dos seus sacrifícios e privações para nos dar o melhor a nós. Bem-haja
ResponderEliminarLindo Amigo António, gostei muito. Obrigado também pela amizade. Madalena
ResponderEliminarCaro Apaulos,subscrevo tudo,com aplauso,tudo o que li.Também eu te agradeço pela homenagem que aqui prestas em nome de todos e para todos, com e sem nome,sendo que basta que seja SAMARRA. Obrigado mais uma vez.
ResponderEliminarTão longo. Vou tentar ler
ResponderEliminarMuito interessante. Gostei
ResponderEliminarÁmen.
ResponderEliminarEspetacular. António, Abraço. C. Carvalho
ResponderEliminar"Ficarás de pé diante do que tem cabelos brancos; honrarás o rosto de quem é ancião" (Lev.19:32). Os Samarras, pelos vistos, sempre respeitaram e seguiram esta norma.
ResponderEliminarAgora, com tempo, ao reler esta prosa do APaulos, pude apreciar quanta beleza e riqueza de palavras que ele utiliza para homenagear os nossos maiores. Aquele que se senta na cadeira do poder, ainda não ganhou poder para os homenagear com o Monumento ao Mineiro!!! Saudações Samarras.
ResponderEliminarComo me identifico com o que o autor aqui nos relembra, confesso que já a reli várias vezes e é sempre com um misto de saudade e alegria que relembro os feitos dos nossos antepassados recentes. obrigada Apaulos
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