2ª ParteEste é um excerto de um texto sobre a Ermida de Nª Srª das Fontes, transcrito na sua integra. O português existente é o usado na altura (!!!) sem qualquer modificação (1ª parte aqui...)


A velha capellinha de Nossa Senhora das Fontes era muito humilde e singella, e estava no mesmo largo em que hoje se vê a nova capella, quasi em frente d'este, onde se vê uma cruz de pedra, posta alli para memoria do local que a velha capella occupou.

No segundo terreiro ha duas capellinhas com seus altares, uma com a invocação de Santa Maria Magdalena (a do lado direito, subindo) e outra em frente d'esta com a invocação de S. Francisco das Chagas, cuja imagem é bastante regular, e foi feita por um pastor das proximidades de Vizeu, hoje esculptor de merecimento.


Ha na capella de Santa Maria Magdalena uma reliquia com a qual costumam benzer as pessoas e animaes mordidos por cães hydrophobos, não havendo memoria de caso algum de hydrophobia perigosa, em animal ou individuo assim benzido. E teem grande devoção com a imagem de S Francisco das Chagas, os devotos que padecem sesões, costumando offertar-lhe mais de quarenta alqueires, alguns annos.

Juneto á capella de Nossa Senhora, estão as casas de habitação, muito irregulares e de forma mesquinhas, mas com trez salas, sendo a melhor destinada para os romeiros e visitantes, e 10 quartos, dos quaes o mais perto da capella se denomina o quarto do Bispo, quarto egualmente singello e humilde, mas assim denominado por costumar dormir n'elle o bispo de Pinhel D. Bernardo Beltrão, que sympathisava muito com este sanctuario e aqui passava muito tempo. Era descendente dos primitivos padroeiros - os fidalgos de Santa Eufemia - e preferia a humilde cella dos bons ermitães á grandiosidade do seu palacete que estava a um kilometro de distância.


Na rectaguarda da capella de Nossa Senhora, ha uma pequena cerca, e continua a esta outra mais espaçosa, divididas pela estrada militar d'Almeida a Lamgo, mas ligadas por uma communicação subterranea de aboboda. Esta cerca tem uma boa eira e um bom campo, ramadas, vinhabaixa, muitas arvores fructiferas, agua de bica e uma carreira em seguida ao tanque, atravessando quasi a meio toda a cerca, e terminando em um nicho com uma tosca imagem, tudo coberto por uma especie de caramanchão formado de cedro; e esta carreira é guarnecida quasi exclusivamente por duas alêas de pereiras e cerdeiras.

No portão do adro da capella de Nossa Senhora, ou do terreiro superior se lê a data de 1790; no alto de uma porta que dá para o largo inferior 1800; nas capellas do segundo largo vê-se a data 1809; e em um chafariz que ha no primeiro largo se vê a data 1825, e nas portas das cercas 1828.
É costume sepultarem-se os ermitães administradores d'este sanctuario, na capella de Nossa Senhora, e tambem já alli se sepultou um criado d'elles, mas no adro; junto á porta principal.
Duas são as funcções principaes que se fazem n'este sanctuario, uma em maio, quinta feira da Ascenção, e outra no dia 8 de setembro; e constam estas funcções de sermão, missa solemne, fogo solto e preso na vespera, a grande arraial e feira nos dous dias, sendo verdadeiramente extraordinario o numero de romeiros que concorrem das comarcas de Foscôa, Meda, Trancoso, Pinhel, Guarda, Almeida, Sabugal, Figueira de Castello Rodrigo e mesmo de maiores distancias, como de Traz-os-Montes e dálém da raia. Costumam os ermitães por essa occasião dar aos romeiros estampas e medalhas com a efflgie de Nossa Senhora das Fontes, e orçam por 600 as medalhas que assim distribuem annualmente.


É este sanctuario alvo de grande devoção, e se as ordens religiosas não fossem extinctas no nosso paiz, ha muito estaria transformado em um convento regular, como tentaram , já nos principios d'este seculo, os religiosos reformados da Provincia da Conceição, o que se deduz claramente de um documento que em piblica forma existe no archivo d'este sanctuario. É uma carta régia d'el rei D. João VI, cujo theor é o seguinte:


      «Mando a vós corregedor da comarca de Pinhel que examinando-se o terreno em que se acha erecta a ermida de Nossa Senhora das Fontes, limite do logar do Sorval, termo da Cidade de Pinhel, e se as casas e cerca a ella annexas são proprias dos Irmãos Domingos de S. José e de S. Paulo, que se diz ali habitarem, ou se lhes foram doadas e por quem e se resultará utilidade áquelle districto erigir-se n'elle hospicio em que habitem religiosos reformados da Provincia da Conceição, que lhes auxihem os parochos circumvisinhos nos ministerio do confessionario, predica e assistencia aos moribundos, ou se d'essa creação poderá resultar algun inconveniente, e qual; e me informareis do que achardes a esse respeito, remettendo-me por copia, pela minha junta do exame do estudo actual e melhoramento temporal das Ordens regulares; os titulos que houveram sobre a propriedade d'esses terrenos, e na licença do senhorio direct, no caso de serem foreiros. Cumpri-o assim, etc. Lisboa 9 de março de 1805»

O irmão Domingos de S. José, eremitão d'este Sanctuario, fez um inventario, de todos os bens a alfaias pertencentes á Senhora, e, em 7 de fevereiro de 1833, o mandou ao governador da diocese de Pinhel, M. Farinha Beirão, com a seguinte carta:

     «lLL.mo Rev.mo 
      Se V. S.a não tivesse dado a conhecer em todas as occasiões um zelo e uma paixão tãoparticular por esta ermida de Nossa Senhora das Fontes, e pela conservação e augmento do culto da Mãe de Deus em este logar, não me atrveria eu agora a incomodar a V. S.a rogando-lhe o obsequio de permitir-me licença de depositar nas mãos de V. S.a afim de a guardar, atá que necessaria seja, a cópia que esta acompanha, do inventario de todas as alfaias e bens pertencentes a esta ermida, o qual fiz, ha pouco tempo, por me persuadir poderá ainda algum dia vir-lhe a ser util e necessario (?)
      Bem quizera eu ir pessoalmente fazer esta entrega a V. S.a, mas os meus longos dias, cobertos de enfermidades, me inhibem de tanto prazer e honra, restando-me apenas um coração summamente agradecido a V. S.a por tantos beneficios, que só podem ser remunerados por Deus Nosso Senhor, a quem me não esqueço de rogar conserve por muitos e dilatados annos a tão preciosa vida de V. S.a para amparo nosso e da Santa Religião.

                                                                 Sou de V. S.a  
                                                       servo inutil e humilde criado
                                                           Domingos de S. José.
7 de fevereiro de 1833»
      Revela esta carta bastante cultura, e confirma o que sempre se disse, e ainda hoje pessoas que o conheceram repetem, - que o irmão Domingos pertencia a uma familia importante, e fôra esmeradamente educado, posto que nunca revelou o seu nascimento a ninguem.
      Confirma tambem esta carta a opinião de sanctidade em que foi tido. Como que prophetisou o que aconteceu passados annos, pois que em 1834 as autoridades de Pinhel, interpretando a seu modo o decreto que extinguiu as ordens religiosas, vieram a este sanctuario e confiscaram tudo!...   Tão auctorisado porém, e tão respeitado por todos era o veneravel irmão Domingos, e tanto pediu, rogou, instou e clamou, que tudo, absolutamente tudo quanto levaram do seu querido sanctuario, lhe foi por ordem superior restituido!...
                                                Porto e Miragaya, 2 de septembro de 1876.
                                                      O Abbade, Pedro A. Ferreira.

Peço perdão ao meu esclarecido collaborador e velho amigo, o sr. dr. Ferreira, por os cortes que me vi obrigado a fazer no seu bello artigo; mas fui obrigado a isso, por circumstancias imperiosas.



Fonte: In Portugal Antigo e Moderno, volume IX. Pinho Leal (1880)

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