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  Chegadas que foram ao uso da razão, foi-lhes revelado quem eram, qual o seu admirável nascimento, a bárbara determinação de sua ímpia mãe e o modo como a Divina Providência as livrara da morte, não só do corpo mas também da alma.
   Não cessavam, por isso, de render graças a Deus, por as ter preservado da morte e sobretudo de morrerem sem o santo Baptismo.
   Foram crescendo em idade e em virtudes, consagrando um afecto verdadeiramente filial às suas mães espirituais, que, depois de lhes terem dado o leite, lhes ministravam também a ciência da virtude e da santidade, sob a direcção do santo Arcebispo bracarense.
Aos dez anos de idade, as nove princezinhas foram recolhidas numa casa dos arrabaldes de       Braga, numa espécie de comunidade religiosa. Ali, depois de consagrarem a Deus a pureza da sua alma e do seu corpo pelo voto de castidade, exercitavam-se cada dia na prática de todas as virtudes cristãs.

   Assim decorreram cerca de dez anos.
  E as santas donzelas mais pareciam do céu do que da terra: eram anjos na pureza, querubins no fervor, serafins no amor!
   Por este tempo, o imperador Adriano decretava uma nova perseguição contra os cristãos em todas as províncias do Império e encarregava Lúcio Caio de dar execução ao iníquo decreto na Lusitânia e na Galiza.
   As santas donzelinhas, cujas virtudes cristãs já irradiavam o seu suave perfume por todas aquelas redondezas, foram, dentro em poucos denunciadas como cristãs, presas juntamente com Sita, e levadas à presença do Governador, sem que este suspeitasse que eram suas filhas. 
   O Régulo Bracarense ficou encantado com a beleza e a compostura das angélicas donzelas. 
De aspecto severo, mas de coração bondoso, perguntou-lhes quem eram, que religião professavam e se estavam resolvidas a cumprir as ordens do Imperador, adorando os deuses do Império. 
   Então Genebra tomou a palavra e em nome de todas respondeu: «Senhor: se nos perguntas pela nossa linhagem, acredita que em nossas veias gira o sangue da principal nobreza desta província, porque somos todas tuas filhas e de Cálcia, tua esposa.



   Quanto à religião que professamos, adoramos Cristo, filho de Deus vivo, com quem nos desposamos pelo baptismo. Estamos prontas a dar o sangue das nossas veias pela confissão do seu Santo Nome, mesmo à custa dos maiores tormentos».
   Contou-lhe em seguida as circunstâncias do seu nascimento, e o modo como escaparam a morte a que a mãe as condenara. Fê-lo ciente da sua criação e educação e da resolução em que todas perseveravam de se manterem fiéis a Jesus Cristo, e concluiu com estas palavras: «Aqui estamos na tua presença; dispõe de nós como melhor te parecer». Lúcio Caio ficou passado de espanto.
   Ele recorda-se de algumas coisas passadas, que o inclinam a acreditar o que ouvira. Muda de cor por diferentes vezes e não pode ocultar a inquietação que sente dentro do peito. Suspende o acto judicial, e manda retirar os ministros, ficando só com as meninas e com Sita.
   Tira-lhes dos pulsos as algemas e, conduzindo-as ao interior do palácio, chama Cálcia e conta-lhe tudo o que acabava de ouvir.
   Cálcia fica cheia de confusão e de medo, e ainda mais, quando Sita lhe explica o modo como salvara a vida daquelas inocentes meninas.
   Cálcia não se atreve a negar, antes confirma, envergonhada, a verdade de todo aquele mistério.
   Sem ao menos deixar a esposa terminar a sua narração, logo que Lúcio Caio ouviu da rainha a confirmação das afirmações de Genebra e Sita, corre para junto de suas filhas, abraça-as uma a uma, com toda a ternura de pai, e diz-lhes que uma coisa lhes exigia para como filhas as receber no seu palácio: renegarem a fé Cristã e prestarem culto aos deuses do      Império. De contrário, seriam sujeitas aos maiores tormentos, esperando-as a morte mais ignominiosa.
  Mas, nem as promessas nem as ameaças conseguiram demover as santas donzelas. Ao contrário com o mais nobre desprendimento das riquezas e glórias do mundo, protestaram inteira fidelidade ao divino Esposo de suas almas, afirmando todas que preferiam a morte a renegarem a sua fé.
   Lúcio Caio ficou atónito com esta unânime constância. Mas não desanimou.
  Confiado em que reflectindo melhor, as filhas acabariam por ceder, mandou encerrá-las numa dependência do palácio, até que o resto se rendessem.

   Encerradas, pois, todo o resto daquele dia e parte da noite, as santas virgens perseveraram em humilde e fervorosa oração, pedindo ao Senhor que lhes inspirasse a melhor forma de em tudo fazerem a sua Santíssima Vontade e lhes concedesse a virtude da Fortaleza.
   Porém, no silêncio da noite, quando todas lamentavam, não a morte que as esperava, mas o verem que seu pai ia manchar as mãos no sangue das próprias filhas, eis que Deus lhes envia um Anjo Consolador a ordenar-lhes que fujam dali em direcção aos montes das cercanias, onde deviam separar-se, tomando cada uma o rumo que o Senhor ia inspirar-lhe.
   E, como o Anjo lhes facilitou a saída, deixaram o palácio sem que ninguém as pressentisse.
  Dirigiram-se às montanhas mais próximas, como lhes ordenara o Anjo, e ai, estreitando-se num abraço derradeiro, tomou cada qual o caminho que o Senhor lhe inspirou.
  Lúcio Caio, logo que teve conhecimento da misteriosa fuga de suas filhas, ficou furioso e mandou emissários em perseguição delas, para as prenderem e reconduzirem ao palácio. Mas, apesar de todos os esforços feitos, apenas conseguiram reaver Quitéria, que foi a primeira a sofrer o martírio, como adiante se verá.
   Santa Eufémia na dispersão das nove irmãs foi guiada pelo seu Anjo para a extinta cidade de Obóbriga, que ficava não muito distante de Braga. Foi ali recebida por uma família cristã junto da qual se conservou durante algum tempo, levando sempre uma vida recolhida, de intensa piedade e de continua mortificação.
Deus, porém, ainda a chamava a uma vida de maior penitência e recolhimento, em que ia preparar-se para as glórias do martírio. Por isso, obedecendo às inspirações da graça e sempre guiada pelo Anjo, deixou a cidade de Obóbriga e dirigiu-se para a Serra do Gerez, onde permaneceu durante dois anos entregue aos rigores da mais austera penitência. Numa espécie de gruta que ali encontrou na concavidade de um rochedo, ela se abrigava das inclemência do tempo. Alimentava-se de ervas e frutos bravios e, de longe, de em longe, de algum bocado de pão que lhe ofereciam os pastores que por ali apascentavam seus rebanhos.
   Em certa ocasião veio a saber, pelos mesmos pastores da serra, que em Obóbriga começara uma violenta perseguição contra os cristãos, para se dar execução ao decreto do Imperador. Inflamadas de zelo pela glória de Deus, e temendo que os cristãos perseguidos vacilassem na Fé e acabassem por renegar a Jesus Cristo, Eufémia decidiu-se a abandonar a serra e regressar à cidade, afim de dar ânimo e constância às vitimas da perseguição.



   Foi então verdadeiramente incansável no seu heróico apostolado. Ela acorria a toda a parte onde houvesse cristãos perseguidos.
   Era admirável vê-la, transbordante de zelo pela salvação das almas, reunir os cristãos nas casas particulares e até nas praças públicas, a falar-lhes dos sublimes mistérios da nossa fé, da caducidade dos bens da terra, e de como é desprezível a vida terrena se, para a conservar, for necessário renunciar à felicidade do céu.
   Observando, porém, os gentios que Eufémia com sua palavra inflamada não só tornava mais fortes na fé os cristãos, ainda convertia inúmeros pagãos à mesma Fé, arrebataram-na violentamente de entre a multidão que a escutava e levaram-na, algemada, no meio de uma algazarra infernal, à presença do governador da cidade.
   Este, julgando mais fácil persuadi-la pela brandura do que por ameaças e torturas, procurou insinuar-se-lhe no ânimo, tratando-a com afabilidade e dirigindo-lhe palavras de carinho.
   Lamentou em termos de refinada hipocrisia o engano em que vivia, adorando e seguindo a Cristo, com desprezo dos deuses do Império.
   Por isso lhe rogava que renegasse a sua fé, bastando uma só palavra para recuperar a liberdade.
   Se persistisse, porém, na sua louca teimosia, esperavam-na a desonra, os tormentos e a morte mais ignominiosa.

   Eufémia, inspirada pelo Espírito Santo, respondeu, de angélico sorrir a aflorar-lhe nos lábios e com toda a serenidade, que nada havia no mundo capaz de a separar do amor de Jesus Cristo. Se para o provar fosse preciso verter todo o seu sangue, não hesitaria um só momento e julgar-se-ia imensamente feliz.
   O governador, enfurecido com tão ousada resposta, mandou submetê-la aos bárbaros e desumanos açoutes, que a reduziram a uma chaga viva, gotejando sangue por todos os poros do seu corpo virginal.
   Em seguida ordenou que a metessem numa masmorra escura e imunda, onde em breve deveria exalar o último suspiro.
   Eufémia suportava sorridente aqueles bárbaros suplícios e não cessava de agradecer ao Céu o tê-la julgado digna de sofrer pela sua Fé. Mas Deus, querendo reservá-la para maiores batalhas, enviou à prisão um Anjo que miraculosamente a curou de todas as suas chagas e lhe deu alento para as duras pelejas que a esperavam ainda.
   O governador, informado de que Eufémia aparecera repentinamente curada, ordenou que a retirassem do calabouço e a cercassem de todas as comodidades e atenções.
   Mais: por satânica inspiração, ordenou que lhe proporcionassem um encontro com jovens libertinos e corruptos que com promessas e seduções a amolecessem na sua constância, esperando que Eufémia acabasse por ceder à tentação da impureza, a que logo se seguiria a apostasia da Fé.
   O estratagema era deveras diabólico; mas enganou-se mais uma vez o iníquo governador.
   Eufémia repetiu, energicamente, com uma santa indignação, os infames sedutores, de tal modo que os convenceu da inutilidade de seus perversos esforços.
  
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fonte: paroquia-alvarelhos 
Pe. Manuel António Moreira


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