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Custa, de facto, a acreditar que na segunda metade dos anos 80 e em toda a década de 90, com tantos mil milhões de euros de investimentos da União Europeia, se tenha chegado a este ponto. A fixação das populações rurais é um logro e as promessas de criação de emprego no interior está nos “neurónios” mais remotos dos políticos e decisores. Em Portugal, esqueceu-se que o país tem 92 mil quilómetros quadrados.
O cenário que o país apresenta no mundo rural é, de facto, arrepiante. Dos 122 concelhos que perderam mais de 10 por cento de população desde 1981, apenas cinco estão a menos de 50 quilómetros do mar. E mesmo estes – Lisboa, Porto, Barreiro, Alcoutim e Monchique – são casos bicudos, como noutros capítulos se referiu. Existem mesmo casos dramáticos: Sernancelhe, Vimioso, Montalegre, Oleiros, Vinhais e Carrazeda de Ansiães perderam mais de um terço da população em apenas duas décadas.

Um olhar para a evolução demográfica do interior do país é bastante esclarecedora e permite, além disso, detectar um outro problema ainda mais grave: a morte irreversível das aldeias. Sobretudo as sedes de distrito exercem, cada vez mais, uma forte atracção sobre os concelhos vizinhos, significando isso que, além da perda populacional do interior, há um esvaziamento ainda mais expressivo nos pequenos concelhos. Em 1981 existiam 89 municípios com menos de 10 mil habitantes, dos quais 19 não ultrapassavam os cinco mil. Duas décadas depois, são já 109 e 32, respectivamente. As freguesias com menos de 200 habitantes passaram de 220, em 1991, para as actuais 331.


São poucos os concelhos do interior que, não sendo sedes de distrito, evitaram sangrias populacionais, o que diz quase tudo sobre a vida no campo ou nas pequenas vilas. E mesmo sedes de distrito do interior não evitaram perdas. Por exemplo, no distrito de Bragança, todos os municípios viram diminuir a sua população nos últimos 20 anos. E em sete concelhos registaram-se mesmo perdas superiores a 25 por cento. No vizinho distrito de Vila Real, o principal concelho foi o único que ganhou população (cerca de seis por cento), mas a esmagadora maioria “mirrou” mais de 20 por cento.

Na Beira Alta, a Guarda também foi a única excepção da sangria populacional (ganhou nove por cento), num distrito em que quase todos os concelhos perderam mais de 10 por cento da população. No distrito de Castelo Branco – onde a maioria dos concelhos registou perdas demográficas superiores a 20 por cento – houve um caso curioso: Belmonte registou mesmo um ganho significativo (12 por cento), bem superior ao município albicastrense. Neste distrito, os concelhos do Fundão e Covilhã não conseguiram aguentar o declínio de uma indústria outrora pujante e também perderam população nas últimas duas décadas. Em Viseu, a história repete-se: além da sede de distrito, apenas Oliveira de Frades não perde população; o resto dos concelhos, quase sem excepção, perdeu mais de 10 por cento.

No Alentejo, o cenário também é negro, essencialmente nos distritos de Portalegre e Beja. No primeiro caso, Ponte de Sôr, sobretudo devido à indústria da cortiça, foi o único concelho que não perdeu população – embora com um ganho insignificante – e a maioria dos outros municípios registou decréscimos superiores a 20 por cento. No segundo distrito, Castro Verde foi a excepção – aqui por causa das minas de Neves Corvo, mas com um mísero ganho absoluto de 131 pessoas em duas décadas. De resto, neste distrito, as perdas foram avassaladoras. Beja e Alvito foram os únicos concelhos que perderam menos de 10 por cento. Ao invés, o distrito de Évora até apresentou, na generalidade, alguns sinais de recuperação demográfica. Além do município de Évora, Vila Viçosa e Vendas Novas registaram ganhos populacionais e não houve nenhum concelho que tivesse uma perda superior a 20 por cento.

Torna-se interessante reparar que embora, no conjunto, o Alentejo continue a perder população, esse fenómeno está associado à elevada mortalidade dos mais idosos, que ainda não é “compensada” pela natalidade. Mas se, na última década, nenhum dos 47 concelhos desta região teve um saldo natural positivo, o processo migratório está mesmo a inverter-se: dois em cada três concelhos já registaram mais entradas do que saídas de população durante os anos 90.

A desertificação do mundo rural não está circunscrita aos distritos do interior. Basta ir para as zonas de serrania dos distritos de Coimbra, Leiria ou interior do de Santarém e observam-se também vários concelhos com perdas populacionais superiores a 20 por cento, sobretudo na zona central do país, num triângulo com os vértices em Góis, Pampilhosa e Mação, onde, aliás, se concentram os mais intensos e destrutivos incêndios florestais dos últimos anos. Saem as pessoas, entram os fogos. Decididamente, o mar deve ter um íman.

A uma escala mais micro, ao nível de freguesia, ainda se torna mais evidente a morte do mundo rural. Grande parte dos concelhos, mesmo pouco populosos e em forte contracção populacional, registam um fenómeno já bastante característico: as freguesias da sede do concelho até chegam a registar aumentos populacionais, enquanto as freguesias rurais sofrem uma razia. Veja-se, a título de exemplo, o caso do concelho de Bragança, que perdeu dois por cento da população nas últimas duas décadas. Nos anos 90 – em que até registou um ganho demográfico de dois por cento –, das suas 49 freguesias, 80 por cento perderam população, das quais duas dezenas mais de 20 por cento. Contudo, na cidade e em seu redor, os crescimentos populacionais foram significativos. A freguesia citadina da Sé registou mesmo um crescimento populacional de quase 30 por cento em apenas 10 anos.




Quase sem excepção, este é um fenómeno generalizado em todos os concelhos do interior. E, neste caso, nem é preciso fazer muitas contas para confirmar isto. O Instituto Nacional de Estatística publicou, em sete livros regionais, os resultados preliminares dos Censos que contêm mapas de todos os concelhos com a evolução de cada freguesia, utilizando cores. Em quase todos os concelhos do interior, as cores dominantes em todas as freguesias são o azul-escuro e o roxo – que significam perdas populacionais superiores a 10 e 20 por cento, respectivamente, com excepção de uma ou outra freguesia. Nesses poucos casos, a cor é quase sempre o vermelho vivo, que significa um crescimento populacional superior a 20 por cento. E depois confirma-se que essas freguesias são sempre as sedes de concelhos e zonas limítrofes.

Ora, isto tem um significado simples: o mundo rural ainda perde população a um ritmo muitíssimo superior àquele que se descortina pelos valores a nível concelhio. Note-se, por exemplo, a situação de Boticas, o concelho do país que registou maior quebra populacional nos anos 90. Embora tenha perdido quase 20 por cento da população a nível concelhio, a vila manteve-se estável. Significa isso que, em termos de balanço, os cerca de 1500 habitantes – ou seja, os tais 20 por cento – que este pequeno município transmontano perdeu em 10 anos viviam todos em pequenas aldeias. Cada vez mais envelhecidas.
De facto, basta visitar o interior do país e as aldeias. Quem ficou no mundo rural são, quase sempre, os idosos. E se alguns concelhos estão, neste aspecto, com uma pirâmide etária calamitosa, imagine-se então como estarão as suas aldeias. Encontrar gente nova em alguns concelhos do interior é como procurar agulha em palheiro. Em 2001, existiam 25 concelhos onde três em cada 10 dos seus habitantes estavam acima da idade da reforma. Um valor que é, sensivelmente, duas vezes superior à média nacional, que, diga-se, já não é um indicador apreciável.
No outro extremo etário, os jovens escasseiam nestas paragens. Existem mesmo concelhos que, sem exageros, caminham para a extinção humana. Os municípios de Idanha-a-Nova, Penamacor, Alcoutim e Vila Velha de Ródão –que tiveram perdas demográficas que rondaram os 30 por cento nas últimas duas décadas – têm actualmente uma desoladora pirâmide etária: cerca de 40 por cento de idosos e menos de 10 por cento de jovens com menos de 15 anos. Neste último concelho, por cada jovem, existem cinco velhos. E como já só existem pouco mais de quatro mil pessoas, está-se a ver qual vai ser o seu futuro.

in livro Estrago da Nação
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  1. Pois é...

    Um cenário que uma parte de mim gostava de ver, era a situação financeira do país a piorar cada vez mais, e a começar a provocar o fluxo contrário: as pessoas não terem como se sustentarem na cidade, com o desemprego sem fim, e terem que regressar ao campo para cultivar a terra para poderem ter, então, comida na mesa outra vez.

    Cada vez acho mais que a sociedade devia "regredir" em certos aspetos, e começar a disfrutar mais do que mãe natureza tem para dar, em vez do que o dinheiro tem para dar... O Homem sair da enorme cidade de cimento que construiu, e voltar para as planícies verdes e para a floresta, de onde veio, no ínicio...

    Vá, gozem lá e chamem-me de imaturo.

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